Hoje reparto convosco este pensamento inspirador do grande Fernando Pessoa, serviu de mote para o ensaio poético que chamei "Ignorando o rio, espero que gostem. Primeiro o mote depois o poema
«Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.»
Fernando Pessoa
Ignorando o rio
Grito calado, que não chega
revolta latente que não sai
mudo na boca que se fecha
se deixa morrer, sem um ai
E porque sei que a vida é efémera
Adormeço acorrentado
Ignorando o rio
Jamais chegarei à outra margem
algo me agita, se me diz o que fazer.
Cobarde me quedo nessa imagem
Qu'o espelho teima em trazer
E porque sabes bem que a vida é breve
Adormeces acorrentado
Ignorando o rio
Miragem? Acreditas na miragem…
de lutar contracorrente no inverno
se achas que aqui irão facilitar-te a vida
Acorda barco triste, nada é eterno
E porque todos sabem que a vida será breve
Adormecem acorrentados e tristes
lambendo as feridas, teimando em ignorar o rio
António Gallobar
11 comentários:
Muito bonito!
Utilizando como mote as palavras de Pessoa,construiu um poema com imenso significado sobre o significado da própria vida.
António:
De facto, por vezes, estamos tao presos à nossa concha e aos pequenos nadas que nos esvaziam de sentido, que tardamos em descobrir o manancial da corrente: o rio que em nós se lavra.
E nisso o teu poema é bem claro. Gostei.
Ignorar o rio, ficar na margem...a vida não é apenas a própria miragem espelhada em àguas mansas.
A vida é feita da viagem que só por cobardia se recusa.
Um abraço, António.
Obrigada amiga Guiomar, são como diz, as palavras do Grande Fernando Pessoa só por si bastam. Beijinho
Obrigada amiga Isabel. Este poema é o fruto de emoções contidas, deste tempo que atravessamos por vezes a raiar a insanidade.
Beijos
Olá Maria João
Estou completamente de acordo, mas o que mais fazemos, o que mais faço melhor dizendo é teimar em ignorar o rio.
Obrigada pelas suas palavras, beijinhos.
Sabes uma coisa, António? É a insanidade. É isso mesmo! E eu não queria dizer no teu blog nem no blog de ninguém nem para mim própria mesma só o que é politicamente correcto. Dizer o que se costuma dizer, medir as palavras e as circunstancias, isto é, passar a vida a medir para ser e sentir "certinho", isso desconserta-me. Nós, por vezes, somos tão artificiais que até dói. Arranjamos palavras de circunstancia para tudo como se
em cada momento estivessemos perante o irremediável. Acho que, quando dizes "são as palavras de Fernando Pessoa e isso basta", já dizes tudo.
Amiga Isabel essa história de se esconder as emoções e só se dizer o que é politicamente correcto, encerra o que se vive na actualidade, o não se querer correr riscos, temer a critica cria uma capa de falsidade absolutamente insuportável de paz podre de elogios grátis. As derrotas deveriam fazer-nos crescer as criticas em vez de ser humilhantes ou vexatórias deveriam ser antes o caminho para nos superarmos para seres humanos melhores. Gostei muito desta insanidade que nos faz sentir vivos e remar contra a maré. Beijinhos
António, quero corrigir um erro semântico. No meu comentário anterior escrevi "mesma" a mais. Não gosto de dar erros deste tipo, perfeitamente evitáveis. Lá ter ou não inspiração, ainda vá que não vá. Ainda há pouco, a olhar através da minha janela, pensava no que me escreveste e nas minhas respostas. Extrapolei para a condição humana e para tudo o que nos move em ordem à sobrevivência. Escrever pode ser, como muita bem dizes, uma forma de evitar idas ao psiquiatra. Então, porque carga de água, não hei-de eu aceitar esse recurso na fragilidade humana? Porque não hei-de eu amar, nessa condição, a minha própria fragilidade e a dos outros? Porque não aceitar essa forma tão simples de ser feliz? No fundo, sou uma desajustada que se identifica com uma tal Sylvia Plath. É isso. Ela não se conformou com a não transcendência de si mesma e morreu em consequência disso. Eu não tenho nem de perto nem de longe o génio ímpar dela, mas gostava. Estou farta de uma certa mediocridade quando me revejo. É por isso que, muitas vezes, não escrevo. Observo a realidade, o meu jardim, por exemplo, e sou muito mais feliz! Que se lixem as palavras!
Quanto à conversa de circunstância e ao politicamente correcto, hei-de conseguir ser eu própria, tal como estou a ser agora. Quanto aos outros, sou demasido "extensa" para ter tempo para fazer juízos de valor. Ainda que, por vezes... Enfim, sou humana.
Um beijinho para ti e continua na tua senda.
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. entre.o.ir.e.o.voltar . entre.o.antes.e.o.depois .
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. nós dois . enquanto navega a poesia .
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. um saudoso abraço . :) .
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Fernando Pessoa é o escritor que leio quase diariamente, sem me cansar. Quando encontro alguém que aprecia realmente Fernando Pessoa fico realmente contente porque compensa as vezes em que sinto a incompreensível reação de algumas pessoas que não entendem porque gosto de Fernado Pessoa e asseguram que ele era doido. Loucura? Quem não sofre disso? Difícil é admiti-lo. Pois eu gosto da loucura de Fernando Pessoa. Por vezes penso que ele chegou tão fundo à análise da vida e imagino-o por aí a reparar nos mais pequenos pormenores, que nós tanto descuidamos. O seu poema, gostei imenso, prendeu-me até ao fim. Tem muito significado.Conseguiu transmitir-me a grandiosidade do rio e a nossa pequenez dominados pela nossa pouca vontade... gostei de vir aqui, gosto de blogs, muito mais do que o facebook. Para mim serve apenas para informação e contactos. Ler não. Preciso de sossego para ler, para me concentrar apenas na leitura.
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