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Pequenos contos

Anjos na terra sem asas


Estava escrito nas estrelas que Ella teria de ser mesmo um pequeno anjo na terra ,ou não, e por via disso mesmo, haveria de voltar a este mundo, custasse o que custasse. A sua vida fora demasiado curta, todos tinham perfeita noção disso e não era suposto que assim fosse. O lapso de tempo que passou entre nós, não lhe permitiu a realização dos desígnios a que estava predestinada. Todo o ser que nasce, tem a sua função perfeitamente definida, uns para realizar os desígnios da criação, outros os mais numerosos para complementar a constante mutação da espécie e outros apenas e só para baralhar e dar imprevisibilidade aos dados estatísticos, que não são uma coisa nem outra; a vida de Ella foi efémera, um cancro letal vencera-a, acabou por roubar-lhe a sua preciosa vida, ninguém ou quase ninguém, naquele velório saberia responder com acerto; quem venceu a peleja, a doença ou a criança se cansou de lutar, por isso… haveria de ser enviado um mensageiro, para certificar-se do que falhou, no que havia sido talhado.

Falecera no dia em que haveria de completar seis tenros anos. Todos os que ali se encontravam estavam, ou quase, entre aquelas quatro frias e escuras paredes onde velavam o corpo iluminado apenas uma miserável luz de presença à sua cabeceira e quatro cirios acesos, que se moviam constantemente, como se houvesse alguma premonição para o que de estranho ali estaria prestes a passar-se. Alguma corrente de ar, pensou um dos presentes. Mas não, estava totalmente enganado.

Ella era ainda uma criança, era como vimos um anjo pequeno anjo sem asas na terra e não tardaria a ser levada para os céus; no entanto a inquietude que se sentia devia-se em primeiro mão a uma figura esconsa que se ia aproximando do féretro. Ninguém na sala reparara nela até então, vinha com uma margarida branca na mão que delicadamente deixou pousada em cima do vestido da criança que parecia dormir serenamente, indiferente a tudo que ali se passava à sua volta. Ignorando os demais presentes sussurrou algumas palavras breves e ininteligíveis;

“Manet in limbo. Vita in caelo insidiatur potest”

Estes entreolharam-se como que magnetizados. Eram estranhas as palavras que saíram da boca daquela mulher, pareciam não fazer qualquer sentido, no entanto alguém um pouco mais distante entendeu perfeitamente o que acabava de ser proferido, escutou sem reagir, baixando os olhos para não se revelar, deixando-se ficar no seu canto escuro, interpretando para si o que fora ali dito na presença de todos. Sentiu-se protegido pela sombra e por isso ignorado. Todos os olhares se mantiveram atentos ao vulto negro de mulher que falara de forma demasiado esquisita, estranhando-a é certo, quer por não a conhecerem ou por desconhecerem de todo aquela linguagem e o real significado do que acabava de ser dito.

A atenção da mulher repartia-se, entre um olhar furtivo na direção dos pais e do vulto negro lá do fundo junto às colunas. Avaliou a situação avançando até junto dos pais que se encontravam precisamente em frente do outro lado do pequeno caixão branco, estes choravam inconsoláveis a perda da filha em tão tenra idade; antes demais estariam igualmente cansados, terrivelmente cansados da luta inglória que tiveram de travar contra a doença terrível fulminante durante dois terríveis meses; em apenas dois meses acabaram de perder a filha, tendo sido defraudadas todas as esperanças num cura que nunca chegou a acontecer, por ter sido tão rápida e mortífera a investida. Tristes e comovidos agradeciam todo e qualquer apoio que lhes era dado naquele difícil momento por que estavam a passar. Todos ou quase todos sabiam naquela sala, que não era fácil ter de fazer um funeral a um filho sobretudo a uma criança; o que é natural e expectável é que sejam os filhos a fazerem o funeral aos pais, era natural que se encontrassem desolados, porque não entendiam o porquê de tudo aquilo, achando que fora uma infelicidade suprema.

A velha senhora vestia de negro, sorriu-lhes obrigando-os a prestar-lhe atenção; nem um nem outro a conheciam, por respeito levantaram-se do banco corrido de madeira onde estavam sentados, para escutarem o que ela lhes queria dizer.

- A missão d’Ella ainda não terminou.

Estremeceram ao ouvir o que lhes pareceu ser uma alusão propositada ao nome da menina, era um diminutivo do nome do seu verdadeiro nome Daniela, apenas utilizado por eles. Ambos dirigiram-lhe um olhar inquisitivo, não haviam compreendido o que dissera; esta ao ver que eles não entenderam, repetiu novamente.

- A missão d’Ella ainda não terminou.

- Missão, qual missão? Perguntou entre soluços a mãe que se encontrava profundamente abalada, dirigindo-lhe um olhar suplicante, para que fosse mais clara.

- Sim! Mais tarde haveis de compreender.

- Pedimos desculpa, disse por sua vez o pai; importa-se de nos explicar o que nos está a querer dizer!

- Por hoje, não poderei dizer mais nada, há aqui nesta sala uma pessoa a mais que tem de sair. Uma pessoa que é a responsável por tudo o que se está aqui a passar, ele sabe do que eu falo, apenas direi que a vossa filha tinha missão e por isso ela irá ter uma nova oportunidade de retificar o seu erro, talvez um dia possais vir a compreender o significado destas palavras.

Definitivamente aquele diálogo tornara-se quase absurdo e incompreensível quase um monólogo; parecia que a mulher vestida de negro falava por metáforas; olharam um para o outro sem nada mais dizerem, achando que a velha seria possivelmente louca, desvalorizando o que acabava de ser dito. Esperta a anciã, entendeu aqueles olhares e voltou no mesmo tom calmo e sereno desta vez encarando de frente todos os que ali estavam, fez um pausa e declarou:

- Esta criança parte hoje, mas dentro de algum tempo será gerada novamente na barriga de uma das mulheres aqui presentes, devem contar doze luas cheias e encontrarão a resposta.

Louca, esta mulher está louca varrida, pensaram em uníssono. Sorriu e antes de sair voltou-se para o caixão declarou desta vez de forma audível repetindo o que havia dito momentos antes, “Manet in limbo. Vita in caelo insidiatur potest e tu que estás aí escondido na penumbra desta sala, podes deixar cair a mascara… sei bem que estás aí, eu vou embora agora, mas tu vais à minha frente; tentaste-a bem, eu sei, demónio dos demónios, homem das trevas. Disse-o maldizendo-o sem deixar de fitar a pequena que parecia estar a dormir o sono dos justos.

- Vai-te daqui! Gritou a mulher encarando-o desta vez olhando-o nos olhos.
- Vai-te demónio, de nada te serve a mascara que tens na cara, fraco disfarce!

Um silêncio profundo foi a resposta obtida, ninguém ousou erguer a cabeça sentiram o homem que se encontrava na penumbra levantar-se e sair exibindo um sorriso sádico de vitória.

Os que ficaram sentiram que algo de muito estranho acabava de se passar ali, ninguém ousou levantar a cabeça ou dizer fosse o que fosse, sentindo-se algo temerosos. No espirito da mãe de Ella, as palavras que a estranha mulher havia dito momentos antes, pareciam querer fazer sentido; a filha algum tempo antes havia-lhe dito que não podia desistir, que teria uma missão a cumprir. Na altura sentiu uma sensação igualmente estranha aquela conversa. Estranho estranho era agora vir uma estranha falar precisamente na mesmíssima coisa. Missão? Que missão?

Interrogava-se agora de forma quase aflitiva. Pouco depois saiu sem nada mais dizer, como se nada de importante ali se tivesse passado, ficara apenas a flor pousada, dizendo a todos que o que ali se passou fora real.

Entraram novas pessoas na capela e logo tiveram de esquecer a estranha ocorrência, dando-se pouco tempo depois início ao funeral.

Os que ali estavam foram como que acudidos por uma estranha amnesia, mas os pais não podiam esquecer tais acontecimentos. Quarenta e oito horas passadas sobre estes acontecimentos, viram-se forçados a ter que falar no assunto um com o outro.

- Que assunto foi aquele, no dia do funer…

- Não me tem saído da cabeça, (disse interrompendo-o), …se queres que te diga, só ainda não tinha achado oportuno falar contigo sobre esse assunto, sabes custa-me…

- Eu sei querida, mas era bem estranha aquela conversa da velhota de negro.

- Sabes quem eu acho que era, para te ser franca!

- Alguma doida?

- Nada disso, era a morte que veio buscar a nossa menina. Andei a procurar em vários dicionários e sabes o que eu encontrei semelhante ao que ela disse, para mim era latim… a tradução que encontrei para as suas palavras, não parecem fazer qualquer sentido.

"Continua no limbo. A vida no céu pode esperar "

- Que quer isso dizer?

- Não sei, mas estou ansiosa de ir à igreja falar com um padre sobre isto tudo, talvez ele compreenda melhor e nos possa dizer o que lá se passou.

- Parece-me bem, e aquela história da missão que tinha Ella?

- Isso aí já faz mais sentido. Lembro-me há algum tempo atrás duma conversa estranha que tivemos as duas, na altura em que ela fez quimioterapia pela ultima vez, disse que estava a ficar cansada dos tratamentos e que queria morrer. Animei-a conforme pude, sabia que estava a sofrer muito e os resultados dos exames eram tudo menos animadores, sinto-me culpada, acho que não fiz tudo o que devia… achei que estava a ser egoísta tentando prolongar o sofrimentos dela, acho que ninguém merece sofrer tanto sem ter uma esperança, foi a partir desse dia que eu desisti dela. Um dia depois desta conversa, falou-me quando a fui visitar que tinha acabado de receber no hospital uma visita de uma senhora de idade que lhe disse para não desistir que iria ser pior, e que seriam trabalhos a dobrar, que tinha de passar por tudo novamente se desistisse; disse-lhe que os senhores doutores estavam a ensaiar nela um novo tratamento que irai dar frutos dentro de pouco tempo, tinha a certeza.

- Quem seria essa mulher.

- Olha meu amor, eu acho que essa era a grande missão da nossa filha, ainda me perguntas quem seria essa mulher, pensa homem pensa.

- Alguma médica, não?

- Esquece e o que me dizes à história da reincarnação? Sabes eu acredito… em tudo o que aconteceu há um dedo Divino algo de sobrenatural. Acredito que se forem verdadeiras as palavras, que nos disseram a nossa pequena filha que enterramos, voltará a este mundo… não tarda e temos que estar preparados.

- Doze luas novas?

- Doze luas novas…, mas, não sei se quero, lembra-te do que lhe disseram no hospital; trabalhos dobrados…

- Ella desistiu de viver, por isso a sua missão foi interrompida.

- Achas?

- Acho… e não sei se queremos voltar a passar pelo mesmo.

- Lembra-te que era nobre a missão e que Ella jamais deveria ter desistido de viver, esse era o grande desígnio que não soube interpretar.

- Encontrarem a cura para o maldito cancro.

- Sim, só pode!

- Mas porquê Deus do céu, porquê escolherem uma criança, porque não me escolheu a mim antes a mim. Daria de boa vontade o meu corpo à ciência, para a ter de volta.

- Não sei se não tenho forças e coragem para passar por tudo novamente; de bom grado faria uma troca, a minha vida pela dela.

Agitaram-se os sentidos de ambos, alguém estava naquela sala a escutar aquelas duas almas, sentiram algo, como um arrepio na pele, trespassando-os, haviam feito um acordo fosse com quem fosse, um pacto com Deus ou com o diabo, disso ambos tiveram a nítida certeza.




António Gallobar

Porto 19 de Junho de 2012.

Nota: Breve ensaio sobre o horrivel ou impossivel. (texto publicado na Colectânea Ocultos Buracos da Pastelaria Studios)


 *** ***


O amor de costas voltadas.




Helena triste e solitária via-se a entrar pela vida dentro sem uma perspectiva real, sem encontrar alguém que a compreendesse, que lhe pudesse dar um pouco mais do que simples companhia numa ou noutra noite bem passada. Seria que estava destinada a ficar exclusivamente para “Tia”. Com vinte e oito anos feitos, não havia jeito de arranjar uma alma gémea que a fizesse realmente feliz. Amargurada por mais uma experiência frustrada. A última tentativa que fez resultou num autêntico fracasso. O homem com quem tinha saído as últimas três vezes afinal era casado. Quando descobriu tratou de o pôr no lugar certo, isto é na rua, ou para onde ele quisesse, menos na casa dela, muito menos ir para a cama com ela. Bem desconfiou, achava tudo demasiado “certinho”, não estava habituada a ter assim tanta sorte, ele apareceu-lhe na curva do caminho, aquele homem perfeito e disponível fez com que finalmente sonhasse, tal e qual como nos filmes depois de tomar um copo, foi assim um engate perfeito.

Não ela não era assim, apesar do seu ar modernaço, não era um qualquer que a levava assim sem mais nem menos. Com o passar dos anos viu todas as suas colegas, uma após outra, mal ou bem todas se foram arrumando, excepto Joana mais nova do que ela, todas as restantes, casadas mal casadas lá iam fazendo pela vida, só ela e a amiga pareciam teimar em não encontrar o seu caminho e uma queca é algo que não se deve dispensar, tema largamente debatido entre as duas como tema recorrente, estavam-se conformando com o caminho que começava a despontar, e, já achavam que quanto mais próximo estivessem dos trinta pior, mais dificuldades teriam e não tardaria a chegar a segunda vaga, isto é os mal casados que não tardariam a andar novamente atrás de mulheres, mas invariavelmente até nesse capitulo ficariam a perder novamente, pois regra geral estes apenas se interessam mesmo por miúdas, quanto mais novas melhor, lamentavam-se elas.





Independente vivendo a sua vida, sentindo-se uma mulher moderna bem à frente, para que precisaria ela de homem. Mais tarde ou mais cedo ver-se-ia forçada a comprar um aparelho que a satisfizesse sexualmente, mas a verdade é que não queria passar os seus dias, sozinha num celibato forçado. O desejo de ter a sua própria família levou-a a uma tomada de uma resolução arriscada e radical. Uma noite vestiu a roupa ousada que encontrou no guarda roupa, e saiu à rua disposta a tudo, literalmente ao engate.



Esta no seu período fértil, ainda pensou em recorrer a um banco de esperma, mas pensou em muitos ses, burocracias gente a dizer que nem pensar, amigos a meter o "bedelho", não esperaria mais, tinha que ser da forma que idealizara, fez novamente as contas à sua ovulação, tinha que ser naquela noite, não tomou nenhum contraceptivo, preservativo nem pensar sem usar qualquer forma de protecção contra a sida, completamente inconsciente, queria um filho sem pai, mais nada sem pensar em consequências muito menos se o filho gostaria um dia da ideia ou não caso soubesse disto. Nem pensou no assunto, precisava de um jovem adolescente com bom aspecto; arrastá-lo-ia sem a menor dificuldade para a sua cama; para ele não passaria de uma aventura, o trabalho estaria feito e terminado, nada de compromissos com ninguém, não queria saber o nome, nada que a ligá-se a ela que não fosse uma dádiva de esperma, envolvida numas horas de prazer... não o voltaria a ver e jamais lhe pediria paternidades; queria um filho e nada mais, a partir desse momento tudo iria ser diferente na sua vida, estava pelo menos certa disso.





Se melhor pensou, melhor o fez, bebeu uns copos para se esquecer da cara do rapaz e siga…



Na manhã do dia seguinte ligou para a amiga, para lhe contar a sua grande loucura a que chamou aventura, o resultado dessa noite era ainda incerto, mas certamente iria mudar radicalmente a sua vida.



*** ***

Coisas simples da infância


A brisa corre assobiando por entre os pinheiros, as pedras do caminho adornadas com líquenes e musgos onde a medo de forma esquiva se mostra a lagartixa que apanha os primeiros raios de sol, e se esconde ao mais leve movimento de quem sempre curioso a tenta apanhar ou simplesmente a observa nas sua bela paleta de cores brilhantes, fazendo parar no tempo que leva à infância, aos cheiros das lareiras que ardem, nos dias cinzentos de nevoeiro cerrado que desce lentamente da montanha e cobre num ai todo o vale de forma rápida e quase inexplicável, assim permanecendo dias a fio trazendo com ele o medo que ficou perdido lá atrás noutro tempo, noutro país. Acordar no inverno e ver tudo branquinho, poder deslizar monte a baixo em cima de uma crocha de pinheiro, até ao ribeiro congelado, tempos há muito perdidos na ainda curta memória como o canto dos carros de bois, percorrendo caminhos estreitos bem marcados nos chão, riscos paralelos deixados ao vento pelos montes onde a erva jamais crescerá, carregados de mato ou lenha para a padaria da vila de onde vinham aromas matinais que abririam apetites vorazes de uma juventude insaciável, ainda os consigo ouvir, pensava Joana,  procurando no fundo da sua memória, lembrando esse som que se prolongava languidamente como que um chorrilho ou um lamento arrastado, madeira contra madeira, ao passo do caminhar lento dos animais, madeira mal lubrificada, o azeite caro de mais para se desperdiçar em rodas de carros de bois, e assim assobiavam uma toada repetida até ao fim do mundo, apenas de vez em quando pontuado pela voz do moço que descalço caminhava na sua frente e que, só em dias de festa calçava solipas e soltava de onde a onde um berro, um “Chega pra láaaa…” cantado, uma vergastada no jugo, só para assustar, para sacudir a mosca como costumavam dizer, e assim conseguir levar os animais para onde queria e seguindo tranquilamente o seu caminho, completamente alheio àquela chiadeira infernal que os rodas do carro de bois produziam, ladeira a baixo, ladeira a cima até desaparecer para lá da curva do caminho feito de terra batida ou de saibro.


A vida ia assim decorrendo tranquila sem grandes sobressaltos na pacata vila, escondida entre vales e montes entrecortados por riachos e ribeiras que iam engrossando o rio, longe de tudo, qual pérola perdida entre serras. Viviam ali fazendo a sua vida, vidas quase anónimas longe do resto do mundo, vivendo como que um exílio forçado imposto por uma força distante e desumana que afastou os seus filhos da Pátria, como se Deus achasse melhor assim, para que não percam a essência da vida na sua vertente mais simples, para que jamais voltem a deixar-se contaminar por falsos idealismos catastróficos, numa catarse purificadora que leva o citadino o homem do mundo, a se tornar num simples homem do campo e aí refazer a vida que parecia irremediavelmente perdida, reaprendendo a amar as pedras do caminho, e reencontrar finalmente o Éden na terra depois de tão grande turbulência.

(Texto retirado do livro "Encontro com a vida")



*** ***


Uma pequena história... 



Sentou-se em cima da sua mesa de trabalho no escritório, descansando um pouco do dia turbulento que teve, com um pé no ar e outro meio apoiado no chão. Olhando através das réguas das persianas interiores, que lhe vedava as janelas, quando tinha reuniões, e não queria que o vissem.

Joana, a sua secretária, vendo-o com ar abatido, levantou-se do seu local de trabalho bateu levemente á porta, dizendo em surdina um “posso?”, ao que ele respondeu, um claro e inequívoco “sim”.

- O que é que o meu Doutorzinho tem? Está com um ar tão abatidinho!...
- Estou simplesmente cansado.
- Cansado? Quer que lhe faça uma massagem?
- Vá lá Joana, isto aqui é um local de trabalho.
- Diz lá que não era bom...

Joana era um desiderato para ele. Desinibida e moderna, não se fez rogada beijando-o ali mesmo.

Tocou o telefone. Alexandre atendeu, carregando no botão de alta voz, ouviu os gritos alterados a voz do patrão que lhe berrou:

- Seu estúpido é mesmo um burro incorrigível, podias ao menos fazer isso às escondidas, assim não me deixas alternativa senão ter que te despedir e já, podias ter mais consideração pela minha filha! Quero-te na Rua e já!

Um pequeno erro, tinha-se esquecido de fechar as malditas persianas e todos, os que estavam no escritório puderam testemunhar aquele momento de infidelidade.

Aparvalhado e apanhado de surpresa, vendo as persianas do seu escritório abertas, olhando através dela olhou para o gabinete do sogro que era em frente, vendo-o esbracejar. De permeio o amplo escritório, onde cerca de uma dúzia de empregados de escritório puderam ver certamente o que nunca deviam ter visto em hipótese alguma ver. Olhando para eles viu-os todos de cabeça baixa excepto a chefe do escritório, que o observava com ar de censura.

E agora que iria fazer da sua vida. Afastou-se de Joana saltando de cima da secretária, como se tivesse uma mola por baixo que o fez saltar. Com o sobrolho carregado por esta enorme contrariedade que lhe estava a acontecer, mandando-a sair de imediato. Não queria querer no que lhe estava a acontecer, logo na semana em que ia fazer seis anos de casado. Não tinha filhos, diziam que era ele tinha um ligeiro problema por isso não conseguia tê-los. Alex não convencido que o problema era mesmo seu, resolveu experimentar fora de casa. Há muito tempo que resistia aos encantos da sua secretária que sempre se vestiu não de forma inocente sempre mortinha de se meter debaixo dele, como se a tentação estivesse sempre presente. Há seis meses que andava literalmente de cabeça perdida com ela.

Correu para as persianas fechando-as, mas antes não deixou de olhar para os coscuvilheiros que estavam na sala ao lado, espiando-o pelo canto do olho, observando o que se passava no interior do seu escritório. Mandou-os baixinho àquele lado que todos sabem. Pegou na sua agenda, onde tinha todos os contactos das pessoas suas amigas. Pegou no casaco e saiu. Sabia que a mulher não tardaria nada que fosse avisada por algum funcionário, mortinho por lhe cair nas boas graças.

Conhecia bem o lado agressivo da mulher com quem vivia. Ambicioso Alex deixou-se levar pela filha do próprio patrão, o perfume pelo poder falou mais alto, ao casar com uma mulher quinze anos mais velha do que ele. Embora fosse uma mulher sofisticada, era uma linda mulher. Quarentona, capaz de fazer roer de inveja qualquer outra mulher. Alexandre Costa, não tinha a mais pequena intenção de a trocar muito menos por uma simples secretária, por uma miúda de vinte anos.

Havia uma questão pendente, Alexandre não tinha sido capaz de fazer um filho, o sogro não lhe perdoava, a sua filha não lhe dar um Herdeiro que tomasse conta um dia de todo o império. Diziam que era o genro que tinha um problema qualquer. Alex não queria de forma alguma estar a levantar questões com a família da mulher e prontificou-se para realizar todos os exames que lhe pedissem. A questão de ter ou não ter filhos e o desejo de experimentar novas sensações. A secretária encontrava-se sempre disponível, o desejo de se envolver sexualmente com ela foi muito mais forte do que poderia prever, já que a sua mulher raramente queria sexo com ele. Como é que ela poderia engravidar. Alex sabia que a mulher tinha pavor inconfessado de deformar o corpo. Por isso sempre manteve uma vida social intensa. Sempre com imensos compromissos com gente das mais díspares áreas, sempre com os fotógrafos atrás. Toda esta actividade, não lhe deixava grande tempo para satisfazer o marido. Daí à traição foi um pequeno passo.

Desde o dia em que a realizou diversas entrevistas, na procura de encontrar alguém para o secretariar. Apareceu-lhe uma candidata ao lugar, que suplantou todas as outras, pela exuberância da sua irreverente juventude. Desde esse primeiro momento ficou fascinado com os atributos físicos de Joana. Viu que esta estava disposta a conquistar o seu lugar ao sol, não se remeteu ao simples papel para o qual foi admitida. Após ter percebido o desejo que despertava em Alex, não se fez rogada e cada vez mais provocante até ao dia em que ele lhe tocou.

Meter-se com a secretária, mesmo debaixo do nariz do sogro. Foi um descuido imperdoável que lhe ia sair muito caro. Acabava ali a sua vida dourada. Não tardaria que as revistas que se interessam pelas questões relacionadas com a nata da sociedade rondassem como vampiros, dispostos a tudo para conseguirem um simples depoimento ou uma foto.

Pegou no seu carro e saiu rapidamente. Passou por casa, pegou nalgumas roupas e em dinheiro. O seu telemóvel tocou, viu no visor que era a mulher que lhe estava a ligar. Hesitou, deveria atender.


Não atendeu!


Sabia que tinha de se pôr a léguas dali, não tardaria que iria rebentar um escândalo sem precedentes. Já que toda a família da mulher vira neste incidente uma boa oportunidade para se livrarem do infértil, que não consegue cumprir com a sua obrigação, dar um filho àquela gente.

A mulher seria implacável quando o visse, dona e senhora de tudo, certamente lhe iria fazer a vida negra. Os dois anos de casado, não fizeram dele um homem rico, mas sempre que podia ia reforçando uma conta secreta que tinha num banco na Madeira.

Dirigiu-se ao aeroporto, que era relativamente perto da sua casa, consultou as partidas, comprou uma passagem dirigiu-se ao local de embarque, para fazer o check-in, uma hora levantou voo com destino a Paris.

Alex iria ter que começar tudo de novo, Portugal já era para ele. Uma semana depois, ligou para a amante, tentando saber novidades, sem nunca lhe referir onde estava, de toda a sua tragédia, acabava por sentir saudades da jovem. Pegou no telefone que tinha à sua cabeceira no quarto do hotel onde estava hospedado, ligou directamente para Portugal.

Joana encontrava-se já na cama quando o telefone tocou, passava já mais de quinze minutos da meia-noite.

Joana olhou para o visor do telemóvel, tentando ver se conhecia o número que lhe ligava. Era um confidencial. Atendeu timidamente, com o coração aos saltos, com medo de represálias. Sabia que mais tarde ou mais cedo haveria de acontecer algo. Havia sido despedida no mesmo dia em que Alex partiu. Nunca mais falara com ninguém. Imediatamente reconheceu a vós que lhe ligava, dando um grito de contente, quando ouviu do outro lado da linha a vós de Alex.

- Joana?
- Alex onde é que tu estás?
- Eu estou bem e tu?
- Mal! Tenho saudades tuas... Acrescentou ela, com voz suplicante. - Não me vens ver!
- Não posso! estou longe, muito longe! Diz-me o que é que aconteceu depois de eu sair?
- Fui despedida. Nunca mais vi ninguém...
- Então não sabes mais nada?
- Mais ou menos! A Amélia tem-me ligado a contar-me as novidades.
- Precisamos de falar, tenho muitas saudades tuas e das tuas massagens, queres vir ter comigo?
- Vou já...
- Calma, prepara as tuas coisas vou mandar-te um bilhete de avião pelo correio, para vires ter comigo, mas nada de dizeres a ninguém, nem à Amélia sequer e já agora conta-me tudo o que sabes.

Joana, feliz por ouvir o homem com quem sonhava dia e noite, acordada ou a dormir, não deixava de andar sempre com o pensamento nele. Havia pouco que contar, foi despedida, a mulher de Alex espumou-se toda no escritório, fez o maior escândalo que há memória no escritório da empresa. Mas a sua principal fonte de informação residia numa entrevista exclusiva que ela tinha dado a uma revista em que tinha posto ao sol a vida e a “impotência” do seu “Ex -”.



Joana sabia melhor que ninguém que era mentira. O seu amante era um homem perfeito. Segundo leu nessa revista tinha dado já ordens ao seu advogado para que solicitasse o divórcio o mais rapidamente possível, embora houvesse um pequeno problema, já que ninguém sabia onde ele se encontrava.

- Queres que te mande a revista?
- Para quê? Já sei o que essa senhora é capaz de dizer e de fazer. Não deixes que ela seja capaz de te fazer mal?
- A mim não. O velhote até foi meu amigo, no dia em que me despediu, entregou-me um cheque de vinte mil euros, para eu desaparecer do mapa...*













O Professor “Rézinhas” e o 25 de Abril






Ontem reencontrei um meu amigo dos tempos de escola e esse encontro reavivou memórias desses tempos e porque a conversa tinha algo a ver com o próximo feriado nacional acabamos falando sobre o 25 de abril, dando algum sentido à frase “Onde é que estavas no 25 de Abril de 1974?”.

Pergunto à minha memória, onde é que estavas?

Faz trinta e cinco anos, o tempo passa rápido… e por vezes nem sentimos. Tínhamos treze ou catorze anos de idade, quando aconteceu esse dia que mudou as nossas vidas e a de muita gente, depois de tantos e tantos anos de sofrimento de guerras de perseguições políticas finalmente chegara o dia por que tantos esperavam e que iria mudar a face de Portugal aos olhos de todo o mundo, sem se perderem vidas humanas (ou quase…) apenas com uma vontade férrea de alguns para mudar o que parecia imutável há meio século. 


Um dia igual a tantos outros, como o de hoje, um belo dia de primavera, lembro por volta das 11h30m da manhã um velho conhecido de todos, entrou na sala com os seus cabelos brancos em pé, dirigindo-se à professora que dava a aula de Educação Visual, segredando algo inaudível. Todos naquela turma conhecíamos bem quem era aquele professor que acabara de entrar que com ar grave nos disse para irmos todos para casa, que não haveria mais aulas naquele dia, tinha havido uma revolução. 

Excelente, fantástico exclamaram num reboliço na sala a maioria, os mais curiosos acercaram-se dele junto à secretaria onde se sentavam os professores para darem as aulas e foram perguntando o que era isso de uma revolução, enquanto a maioria já corria pelos corredores em grande algazarra, gritando... não há aulas, não há aulas!. 


Voltando-se para os presentes e com voz embargada e visivelmente emocionado apenas nos disse que tinha acabado a “mordaça” acrescentando uns segundos depois, que apartir dali iríamos ser livres… acrescentando com voz baixa e tremula “...Se Deus quiser…” 

Agitação crescente em redor dos dois professores. A professora de Educação visual mantinha o rosto austero e de grande desagrado perante as explicações do colega aos alunos dizendo que não seria bem assim, visivelmente incomodada com o “à-vontade” com que falávamos com ele e ele connosco principalmente sobre um tema tabu proibidíssimo nos tempos que corriam e não compreendia como era possível que o colega se permitia a essas explicações vaticinando sem o esconder, que ele se iria dar mal e que já tinha idade para ter juízo, pegando na bolsa num rompante abandonou a sala saindo a vociferar, ele pouco incomodado com a colega encolheu os ombros e foi acrescentando naquela aula improvisada sobre a Liberdade, coisa que não sabíamos muito bem o que era. 

Mas nós não éramos livres? Questionavam-se alguns de nós em surdina. 


- Depois vos explico! A partir de hoje jamais será como até aqui… nasceu um novo dia, uma nova mentalidade que fará com que todos possamos dizer o que sentimos sem medos e receios de irmos parar à prisão. 

O velho professor foi dizendo entre outras coisas que, “Liberdade é responsabilidade” e que a “minha Liberdade acaba, quando começa a dos outros”, e que muitos se sacrificaram para que aquele dia finalmente pudesse acontecer. 

Foi mais uma grande lição daquele grande mestre que jamais poderei esquecer. Professor de uma disciplina que ninguém gostava (matemática...), odiada até por muitos, mas que era na época a cadeira mais fantástica que poderia ter e porquê? 

Entre outra coisa que lembro este senhor tinha uma estranha forma de leccionar, ensinava os alunos a copiar (para os testes dele e dos outros professores) mas dizia que, o poderíamos fazer desde que ele não visse, mas nos dias dos pontos ficava normalmente sentado lendo ou preparando a aula seguinte, impondo silêncio para que não nos distraíssemos e copiássemos bem, dizia que enquanto preparávamos as cábulas estávamos a aprender, passávamos horas e horas a fazer “copianços” longos e extensos, usávamos a criatividade, a fama dele era grande o que fazia com que não fosse muito bem visto pelos seus colegas que não achavam grande graça ao método, achávamos aquele professor fantástico e era mesmo! É o único de quem me lembro o nome e foi o único professor que tive com quem aprendi mesmo matemática o resto são conversas. 


Com isto do professor Rézinhas, quase esqueci de falar no 25 de Abril e que para haver Liberdade, é preciso quebrar algumas regras e ele quebrou-as e com êxito, ainda o lembro passados todos estes anos, é fantástico. Liberdade com responsabilidade... como ele muito bem dizia!


*** ***

Acordei contigo em Paris

(EXCERTO DA COLECTÂNEA " BEIJOS DE BICOS" DA PASTELARIA STUDIOS)


Esta história poderia começar de maneira diversa, poderia começar por se contar que existem no mundo pelo menos duas pessoas apaixonadas, que esperam nesse mesmo dia encontrar-se frente a frente para matar um desejo. Alfredo Pimentel achava-se ali para isso mesmo, para se encontrar com ela naquela distante cidade. Falar em desejo e paixão, estar ali independentemente de outras questões, era já por si recompensa bastante; não havia a menor incerteza, falo duma outra espécie de amor, o amor platónico ao lugar que pisava. A verdade é que aquela cidade exercia sobre ele um enorme fascínio; melhor dizendo, provavelmente sobre todas as pessoas que a cruzam sobretudo se pela primeira vez; o verdadeiro amor é isso mesmo, impactante deixando sulcadas marcas profundas, aliás como em quase tudo. O primeiro olhar tal como o primeiro amor que um dia despontou num acto quase rebelde e em contraciclo, é e será sempre o mais marcante na vida de pobres e comuns mortais, acima de tudo se românticos; essa estranha estirpe de incuráveis que ousam suspirar de e por amor. 


Estar ali por todos os motivos intextos, era por isso só plena de significado, tal como para uma maioria das pessoas que conhecia no seu mundo. Semelhante a viver um sonho de olhos abertos, puro fascínio casta ofuscação. Sabia que muito provavelmente esse mesmo deslumbramento advém da sua própria realização pessoal de ali estar, sua e de que cada individuo que se preze, sempre que experimente essa sensação de fazer parte de qualquer coisa que se supera a si mesmo. Paris a eterna Paris tinha esse condão sobre quem a descobre pela primeira vez, e, se encanta a cada pormenor escondido, por vezes puéreis e ingénuos, outros pelo contrário mais prelúcidos, quase a pimpar de tão ricos e elaborados mas sempre sem deixarem de ser extremamente elegantes; era daí que viria por certo o tal fascínio de tão difícil descrição caracterizado por um abrir de olhos constante de puro espanto. Sempre que alguém atravessa a pé uma das suas pontes e deixa o olhar correr pelas águas delongas e pachorrentas do Senna que não quer sair dali andando em círculos, rodeando-a deleitado; tal como o rio que a rodeia, Alfredo Pimentel encontrava-se envolto em rodeios, com um propósito bem definido. Viera de Lisboa para conhecer alguém muito especial. Com encontro marcado numa qualquer praça da cidade, não fazendo a mais pálida ideia de qual seja ou onde quer que seja, ciosamente escrita num papel, assinalada no mapa que transportava consigo onde havia rabiscado a vermelho um círculo, onde teria que estar impreterivelmente às dez da manhã em ponto.

Deixou os seus olhos rolarem distraidamente fazendo tempo, era ainda cedo. Tinha tempo para ir apreciando o caminho que fazia agora a pé, atravessando praças ladeadas por edifícios que sabia carregados de história e de histórias; alguns escondidos na mais humilde ruela quase ao virar da esquina. “Nem num mês descubro todas as maravilhas disto…” disse para si. “Acalma-se lá deixa de gnose… o senhor está cá por outro motivo, não se distraia.” Pareceu-lhe ouvir alguém dentro a sua cabeça, chamando-o à razão.

Era a primeira vez que vinha a Paris; iria ser, pelo menos assim o esperava a primeira de muitas outras coisas que iria fazer, imaginava como seria o primeiro beijo. Sim porque escrever numa mensagem que se manda beijos, não será a mesma coisa quando ocorrer pessoalmente.

Caminhou controlando o desejo que sentia imaginando-a. Era cedo, não poderia deixar de apreciar aquela cidade única no mundo, mesmo sendo outro o seu propósito. Deixou-se por momentos ficar quieto observando apenas sem inadimplir, havia que continuar o caminho, tinha um acordo um contrato a cumprir com alguém, não se deveria atrasar. A cidade não ia sair dali ela sim. Porém eram duas questões que não se podiam dissociar uma da outra. Estar ali naquele instante era algo único, quase pertencente ao domínio dos sonhos; sim tinha imaginado vir a Paris mas nunca que fosse assim tão repentinamente, nunca a imaginou tão bela, apesar do que lhe diziam, sempre achara que as pessoas exageram... Era um sonho adiado tornado realidade, tal como outros que ainda tinha… Haveria de os manter bem guardados… na velha de caixa de cartão feérica que escondera no fundo duma gaveta, escondida de olhares alheios, que, só em dias de nostalgia se consegue abrir; como qualquer ser humano os tem, onde se guardam as mais belas recordações que faz acreditar que é possível… que nos faz acreditar que tudo poderia ter sido diferente se não tivéssemos tido medo. Sim porque todos sabemos que o “medo gosta de nos roubar os sonhos…”, sim isso mesmo assim filosofaram alguns sonhadores que tal como eu acreditam. Tudo seria bem diferente, caso não tivéssemos tido medo naquele dia que só nós sabemos…, se não tivéssemos sido estúpidos e deitar tudo a perder com invenções de última-hora, recuando, fazendo o contrário do que se havia pensado.

Garboso seguia decidido, para que não o acusassem disso mesmo, seguia ao encontro dela derrubando barreiras e preconceitos, avançaria decidido a mudar o mundo se preciso fosse para poder andar ali de mão dada com ela… estava ali sem pensar demasiado; empurrando o mundo para a frente com a barriga.

Independentemente dos verdadeiros motivos que o faziam avançar estar ali era uma sensação inolvidável, apenas vivenciada no campo dos tais sonhos que se encontram bem escondidos e que quase obriga a dizer “Belisquem-me, impossível…” e se esfrega os olhos de puro deslumbramento e deleite, sem querer saber, será real ou apenas imaginação? Sim, era real não estava a sonhar levando consigo sonhos inconfessados, obrigando-se a caminhar aquelas ruas, ignorando o que pedras quereriam comunicar com ele.

Desde o supremo momento em que saiu da estação de metro na Rua de Rivoli, subiu os degraus gastos pelo tempo e os seus pulmões se abriram e literalmente olhando em redor algo único e percebeu que muito provavelmente encontrava-se num local onde podia respirar cultura, a Opera ao fundo o Palácio-Real, depois mais lá para a frente o Louvre… sem dificuldade iria enamorar-se por aquela cidade, tinha a certeza. Ele que viera de tão longe precisamente atrás desse mesmo sentimento; estava ali enamorado pela rapariga ainda que virtual, mas a mais linda do mundo… Como podia estar agora a pensar noutros sentimentos doutra realidade que não fosse correr em busca dela, correr ao seu encontro em vez de se distrair com outras belezas. Alfredo Pimentel estava ali para ter finalmente o tão ansiado encontro. Digam lá os mas sépticos destas coisas se isso não é fantástico? Paris por mais bela que fosse, sem dúvida um portento no mundo da arte, jamais rivalizaria com a beleza da sua Lucy55 e por isso iria ter de esperar. Sentia-se naturalmente impressionado por tudo o que via, sobretudo pela grandiosidade, quiçá o seu lado romântico obrigava-o a olhar com outros olhos para velha urbe; caminhou seguindo o mapa que levava na mão, sem se afastar um milímetro da rota previamente traçada. Iria a pé atravessando o centro, fazendo horas para o encontro.

Mais tarde compreendeu finalmente que existia ali um paradoxo qualquer, na forma como as coisas começavam a querer correr, diferentes das que imaginara. Obrigando-o a deixar de pensar apenas na bela cidade, havia prometido a si mesmo arranjar tempo para a conhecer a cem por cento. Porém, a inesperada reviravolta nos planos fez com que tudo se alterasse num ápice; chegara ali cheio de espectativas, com uma bagagem cheia de esperança que quase vira esfumar-se, qual nevoeiro sobre o rio Senna. Chegou imbuído de sonhos adolescentes, apesar de saber que já tinha mais do que idade para ter juízo. Sentiu que aquele possível encontro o fazia sentir-se no mínimo dez, quinze anos mais novo, como que a despertar de novo para a vida, a expectativa de a encontrar cara-a-cara, deu-lhe um incentivo suplementar para aceitar vir de tão longe para se encontrar com ela. Um desejo tornado realidade, sentir o seu cheiro, poder tocar na sua pele, sem ser o toque frio da tela do laptop. Conhecera-a há algum tempo num chat conhecido on-line; que isto de se ser solteirão a vida toda a isso obrigava, a foto que recebera na caixa de correio do seu e-mail, deslumbrou-o, guardou-a ciosamente consigo como quem guarda um tesouro. Alfredo Pimentel trinta e dois anos, solteiro. As namoradas que teve foram poucas, poderia contá-las pelos dedos de uma mão e ainda sobrariam bastantes dedos. Animado por poder finalmente concretizar esse desejo, partira de Lisboa para se encontrar com a beldade; essa perspetiva fez acordar o seu coração de pedra. Sentia-se de novo um rapaz, o que é isso de se ter trinta e poucos? Encolheu os seus ombros satisfeito consigo e com o que aí viria, acreditando que iria finalmente conhecer a sua Cinderela.

Lucy era na verdade uma visão d’outro mundo como mulher; desde que começaram a trocar mensagens mais assiduamente, sentiu que apesar da enorme distancia que os separava, tinham muito mais em comum do que se poderia supor.

Marcaram as datas e ficaram de encontrar-se junto ao Hotel de Ville, sugestão dela, p’ra ser mais fácil se encontrarem na cidade. Agora ali à espera dela, tremia sentindo-se um menino perdido dada a dimensão da praça. Olhando de vez em quando, para o relógio do majestático edifício que dava um ar nobilíssimo à praça, algo estava a fugir aos planos. Não ousou pensar que a ideia de se encontrarem ali não tivesse sido boa; mas era tudo menos fácil aquelas duas almas encontrarem-se ali; sobretudo porque andavam por ali naquele momento dezenas para não dizer mais de pessoas a admirar o local a tirar fotos; andou como um tolo dum lado para o outro na esperança de a encontrar igualmente de cabeça no ar.
 

Meteu a mão ao bolso, tirou de lá a tal foto conferindo a beleza da moça; era realmente linda não tinha a menor duvida, a foto dez por quinze não lhe mentia. "Ela vem, ela vem" dizia para si, tentando animar-se um pouco.


Conhecer uma mulher como Luciana, fora uma aventura e tanto, sentia-se um homem cheio de sorte, era antes de mais uma aventura que fizera o seu coração pular de novo, sentindo-se revitalizado só com a possibilidade de estar finalmente junto dela, em carne e osso; poder sentir-lhe o cheiro poder tocar na pele daquela bela Luso-francesa, linda de morrer que conhecera através da internet; sentia-se um adolescente completamente louco por ela, há dez dias que esse sentimento cresceu exponencialmente, altura em que a imagem que tinha dela se materializara, precisamente quando recebeu a foto da beldade e por via disso se sentia assim, como nunca sonhara ser possível sentir-se assim por mulher alguma. Alfredo Pimentel na realidade encontrava-se formatado há alguns anos para resistir a certo tipo de encantos, sobretudo aos olhares das miúdas que constantemente se insinuavam diante dos seus olhos castos; protegido por uma couraça dura que lhe dizia todos os dias que não podia apaixonar-se por nenhuma aluna daquela escola, mesmo que fosse de maioridade; e para desgraça dele como dos outros professores, eram regra geral igualmente lindas e ousadas; ousadas até demais usando saias curtas ou collants justos que mostravam mais do que deviam. Essa era uma realidade com a qual todos os dias tinha que conviver, e era agora com o passar dos anos, acumulando experiencia no exercício da sua profissão. Mas hoje, hoje não estava ali encarnando essa figura que o castrava, não estava a exercer a nobre profissão de lecionar; embora sabendo que antes de ser professor era um homem, um homem carente, e, de mais a mais não aceitou encontrar-se com uma jovem nessa qualidade; ali era apenas um entre milhares que chegam todos os dias, um mero visitante na cidade, um turista entre muitos.

 
Oficiosamente encontrava-se ali para todos os efeitos em gozo de férias, partira à aventura e preparava-se para passar uns dias de sonho assim ela chegasse. Porém, algo que começava a ganhar cada vez mais força. O relógio da torre ia avançando impiedosamente, procurou manter-se calmo na esperança que estivesse apenas uma hora atrasada. Uma hora de atraso é muito mas não é demais; talvez o trânsito a tenha impedido de chegar a horas... quem sabe? Será?

 
Será… que terá sido desavisado e incauto, vir de tão longe buscando uma quimera? Deixando-se levar pela beleza da rapariga que acabava de faltar ao primeiro encontro; a ser verdade iria sentir-se mal, não era agradável levar uma tampa, sobretudo daquela envergadura, felizmente não disse a ninguém ao que vinha, que diriam os amigos se soubessem do caso… Algo correu mal, não estava formatado para levar tampas, muito menos vindas de miúdas.

 
Sentia-se tal e qual uma criança a quem haviam tirado o brinquedo novo, duas horas de espera e eram naturalmente demais. Convenceu-se da realidade, ela não viria. Como foi possível isto? Interrogava-se sem obter resposta. Talvez ela estivesse muito muito atrasada, as mulheres gostam de se fazer caras, adoram isso, aprazem testar. Talvez, talvez se tivesse perdido nalguma loja nos Champs-Ellysées… ela mesma o dissera algum tempo atrás, que perdia a noção do tempo, vestindo e despindo nas lojas da grande moda… 


Nada do que planeou iria acontecer, não iriam saborear o copo quente de chocolate juntos, tão pouco ficarem a olhar um para o outro numa esplanada junto ao rio. Promessas tudo não passaram de promessas que não iriam acontecer; tinha esse pressentimento, ela apenas se divertira com ele. 


Pensou pela última vez nela, talvez ela não fosse tal como se apresentava na foto, talvez fosse feia, gorda sem dentes... quem sabe se outra pessoa diferente da pessoa que estava na foto que mantinha na mão para conferir. E se fosse um homem? Valha-me Deus! Como foi que te deixaste enrolar nesta história? Algo se passou foi o que foi, achas que ela iria brincar comigo a este ponto? Não, não era possível… Tens o telemóvel dela? O número? Sim o número... Não! Como vez é possível sim. Lembra, ela é uma menina à tua beira… andou este tempo todo a brincar contigo meu palerma, olha à tua volta? Que tem? Observa bem quem sabe, encontras o que não esperas ver.
Alfredo Pimentel respirou fundo, tentando sacudir a pressão que sentia em cima de si, fez o que o seu sexto sentido lhe ordenava e foi com grande espanto que descortinou no meio daquela amálgama de gente que por ali cirandava de máquinas fotográficas em punho que descobriu uma cara conhecida, quando a viu ela reconheceu-o imediatamente.

 
- Não acredito é mesmo você? Como é que nos viemos encontrar aqui tão longe?
- Professora Clara Ferraz…
- Estou parva! (disse sorrindo) Olá querido colega, que faz por aqui, anda a passear?
- De férias…
- Engraçado eu também tirei uns dias para descanso mas também para conhecer esta cidade... E então está à espera de alguém?
- Não, melhor já não…
- Óptimo, (Clara Ferraz era um mulher inteligente, viu rápido que não devia ir por ali, mudando de assunto num piscar de olhos) Parece-me que arranjei uma excelente companhia, sabe Alfredo Pimentel é uma chatice andar nesta cidade sozinha… se me aceitar como companhia, quem sabe não será divertido, poder conhecê-la consigo…
- Conhecê-la?
- Sim… à cidade!
- Ah sim, claro amiga Clara Ferraz, onde estava eu com a cabeça. 


Maria Clara Ferraz era uma mulher atraente, nada que se comparasse com a rapariga da foto que Alfredo Pimentel levava no bolso do casaco guardada. Lucy a sua Lucy iria continuar virtual; pensou nela, arrastando os olhos triste despedindo-se do Hotel de Ville, da praça onde estivera plantado cerca de três longas horas, dedicou-lhe pela derradeira vez mais dois segundos de atenção, correndo de forma discreta uma vez mais, na sua continua procura, recusando o obvio que lhe dizia de forma insistente: “Como foi possível acontecer isto...” Tentava superar apeado de qualquer ilusão que lhe dizia que ela viria, fazendo um esforço para se abstrair da enorme deceção que acabara de sofrer; deixou-se conduzir pela colega de História d’Arte. Que melhor cicerone poderia almejar um simples professor de matemática vir encontrar em Paris uma expert na matéria.


- E que tal bebêssemos um chocolate quente? Está um frio…
- Por mim a Clara Ferraz está à-vontade, acompanho-a com prazer. (disse em tom de galanteio, ela retribuiu sem contra-argumentar.)


Alfredo Pimentel caminhava agora ao seu lado em silêncio, vendo a colega enfiar-lhe o braço no seu. Alfredo Pimentel gostou daquela aproximação, encontravam-se de vez em quando na sala de professores, um café ou outro, nada mais que isso. Alfredo Pimentel era daqueles que levava tudo de forma rígida, a tal couraça que mantinha afastava não só as miúdas mas todas e quaisquer mulher que se aproximasse dele. Um café ou outro de fugida, um olá colega então o pessoal aproveita bem nas suas aulas? Uma seca… regra geral dizem ser uma seca! Deixe lá que comigo as coisas vão de mal a pior… Matemática… quem é que gosta de matemática hoje em dia colega? Alfredo Pimentel ria-se para não ser indelicado, achava a alusão quase insultuosa, sobretudo aquela que ia agora pendurada no seu braço, gostava de se meter com ele, e desgraçadamente nunca olhou para ela de outra forma que não sendo olhar como professor.


- Não se importa que lhe dê o braço?
- Está a pôr-se frio.
- Onde é que vamos?
- Para onde me levar…
- Ficou mesmo abalado!
- Como assim?
- Acho-o triste venha daí, vou mostrar-lhe uma coisa. 


Deixou-se arrastar por Clara Ferraz, não percebeu o brilho que ela levava agora no olhar, conseguira finalmente arrancar o homem que amava do seu castelo, arrastando-o para bem longe. Jamais lhe diria que ela era afinal a Lucy, que a foto que lhe enviara fora tirada duma revista de moda duma modelo Russa conhecidíssima pela qual o pobre professor se apaixonou; como poderia saber. Clara arranjou um nickname para conseguir secretamente interagir com ele. Ainda há poucos dias, divertira-se imenso, ao insinuar que lhe iria proporcionar uma secção de sexo, deixando-o naturalmente louco, fazendo-o voar até ali. 


Não fora um caminho fácil, não foi fácil vê-lo andar ali dum lado para o outro de cabeça no ar desesperado, esperando quem nunca viria, arrastou-o para dentro do Louvre tentando que ele esquecesse; saíram de lá já a noite ia alta. Jantaram os dois, ele ia já olhando para Clara Ferraz duma forma diferente, interrogando-se porque carga de agua nunca olhara para ela daquela forma. Uma mulher interessante; as surpresas não iam acabar por ali quando Alfredo Pimentel descobriu que afinal ambos estavam instalados no mesmo hotel.

 
- No adágio? A Clara Ferraz está instalada aqui no Adágio…
- Sim porquê tanto espanto?
- É que… eu também estou aqui. (Riram-se)
- Estou a ver que o Alfredo Pimentel fez a reserva naquela agência de viagens… junto da escola.
- Sim!
- Eu também… coincidências.

 
Ambos acharam divertido. Alfredo Pimentel procurou no bolso já dentro do elevador, a chave eletrónica.
- Estou no… 301. Exibindo-a
- Oh que pena, fiquei um pouco mais acima, estou na 412, pena não terem feito a reserva um ao lado do outro.
- Seria interessante, quando saíssemos de manhã e darmos de cara um com o outro.
- Era o máximo. Bom parece-me que chegamos ao terceiro andar, não quer subir?
- Obrigada pela companhia, acabamos por ter uma tarde fantástica… (meteu uma perna de fora para travar o elevador para acabar de se despedir de Clara)
- Não é nada cavalheiro… não sabes que a regra e levar as Senhoras a casa…
- Ok, eu subo e depois desço.
- Pois claro assim é que deve ser.

 
Levou-a até à porta do quarto, preparando-se para se despedir daquele interessante mulher, visivelmente satisfeito pela companhia. Clara Ferraz não insistiu mais e deu-lhe um beijo na face, dizendo-lhe:
- Obrigada pela companhia, adorei passar o dia consigo.
- Eu é que agradeço…
- Amanhã voltamos ao Louvre?
- Amanhã voltamos ao Louvre, temos muito que ver…
- Bom… então até amanhã!
- Até amanhã… (meu amor disse para si baixinha enquanto ia abrindo a porta)
- Não quer mesmo entrar?
- Entrar?
- Sim entrar… depois desta tarde…, a não ser…
- A não ser?
- A não ser que não me ache atraente…
- Como poderia dizer uma coisa dessas?
- Ainda bem… fico mais descansada, nem sei como é que nunca até ao dia de hoje nunca tínhamos tomado um copo juntos…
- Nunca calhou… mas amanhã será outro dia.
- É isso meu querido… vá para baixo e durma bem, se tiver insónias já sabe onde moro.
- Clara Ferraz não brinque com o fogo… (avisou)
- Porquê não seremos suficientemente adultos para perceber a natureza das coisas? Dos desejos…


Alfredo Pimentel não respondeu, estava confuso, aquela frase… já a lera vezes sem conta. Pensando bem tinha-a escrita no interior da sua mala, onde guardara várias folhas A4 que imprimira antes de sair de Lisboa. Trouxe consigo os diálogos que mantivera com Lucy. Este inusitado à-vontade de Clara Ferraz pareceu-lhe surpreendentemente familiar. Despediu-se dela à pressa, recusando envolver-se com ela no primeiro dia, fazendo-se de burro face ao convite implícito que acabara de receber. Desceu pelas escadas, não havia tempo para esperar por elevadores para descer apenas um piso. Quase correu disposto a reler precisamente o da conversação mantida com Lucy poucos dias antes da partida.


Procurou os papeis, sentando-se na beira da cama relendo todos esses diálogos que mantiveram, leu e releu, tal como sopora um deles deixou-lhe um nó na garganta, dizia o seguinte:

 
.Fredy zz3Vdiz (22:27) estou a olhar para a tua foto… sabes?
.Lucy55 diz (22:28) espera para veres J
vai ser fixe, haveremos de ter momentos bons... mal posso esperar.
.Fredy zz3Vdiz (22:29) ainda nem acredito… K nos vamos encontrar.
.Lucy55 diz (22:29) Paris cidade do amor nos aguarde.
.Fredy zz3Vdiz (22:31) e se não apareces e nunca... e nunca mais nos voltámos a falar
.Lucy55 diz (22:31) tens de ter fé meu… amigo.
.Fredy zz3Vdiz (22:31) amigo? Não sou mais K’isso… de qualquer modo esta nossa “ligação” mesmo virtual é bem fixe… dá-me imenso prazer poder conversar contigo, mesmo à distancia.
.Lucy55 diz (22:31) sim... sei o que pensas quando falas em prazer…
.Fredy zz3Vdiz (22:31) não é nada disso, k insinuas... sabes já me sinto à-vontade contigo, nada mais.
.Lucy55 diz (22:31) sim sim eu sei como vocês são… querem todos ter uma gata… para poderem curtir.
.Fredy zz3Vdiz (22:32) não me interpretes mal fico triste…L, o meu sentimento por ti é sério… não o escondo… morro por estar junto de ti… sim…
é verdade é isso mesmo… mais interessante de tudo é poder finalmente ficar a conhecer-te um bocadinho mais…descobrir a verdadeira Fracesinha k és… descobrir o timbre da tua voz… escutar as verdadeiras palavras…de quem está por detrás deste dialogo em Português…
.Lucy55 diz (22:33) tenho um tradutor on-line k me ajuda nisso , sabias…
.Fredy zz3Vdiz (22:33) entendi, entendiii… caso para dizer weeeeeee ahaaaaaa… JJJ muita emoção junta… estou mesmo a ver, quando estivermos juntos não nos vamos entender, falas uma língua e eu falo noutra… vamos precisar de mais tempo para nos habituarmos um ao outro…
.Lucy55 diz (22:33) não falas Francês? Não acredito…nem uma palavra, ao menos… mercy, bonjour...
.Fredy zz3Vdiz (22:33) falo Inglês fluentemente
-Fredy zz3Vdiz (22:35) vamos viver o nosso encontro com muita emoção…tou mesmo a ver, vai ser do tipo montanha russa…
vai ser fantástico, o melhor é arranjarmos um tradutor para nos ajudar.
.Lucy55 diz (22:36) acho k não vai ser preciso, a linguagem do amor é universal… sinto k ambos estamos na mesma onda... existem vários sentimentos que se cruzam.
.Fredy zz3Vdiz (22:36) amor, escreveste amor…excelente…
parece k puxamos os dois para o mesmo lado…
existem tipos de prazer k sentimos… k superam tudo... e se já foi tão bom até aqui o futuro k se
avizinha só pode ser melhor…só pode mesmo dar muito prazer ter-te à minha frente… cara-a-cara…
.Lucy55 diz (22:37) J,
.Fredy zz3Vdiz (22:39) não dizes mais nada…
.Lucy55 diz (22:42) tou a pensar no k não devo dizer
.Fredy zz3Vdiz (22:42) estás a falar de sentimentos?
.Lucy55 diz (22:44) sim… não escondo isso…
amizade.... gostar de estar contigo... de te apertar para ver se és real... sexo...
é natural… Porquê eses espanto… não seremos suficientemente adultos para perceber a natureza das coisas… dessas vontades?
.Fredy zz3Vdiz (22:45) não estava a pensar nisso, já me contento em te poder beijar um dia…
e se houver empatia então…no futuro…poderemos usufruir disso…usufruirmos um do outro de forma total e abrangente.
.Lucy55 diz (22:46) sim era mais isso k queria dizer… progredir, fazer crescer a amizade e quem sabe o amor... e fazer amor contigo.
.Fredy zz3Vdiz (22:47) sou à antiga, deixas-me sem jeito.
.Lucy55 diz (22:48) vou mandar-te o plano da viagem… confere tudo ao pormenor…e…nem penses em faltar ao nosso encontro...
Mal posso esperar por estar contigo… é parte da emoção k sinto, acho k vai ser bom estar juntos
.Fredy zz3Vdiz (22:49) muita vontade... e sinto essa vontade bastante equilibrada
o k só pode ser bom, vão ser quatro dias inesquecíveis, acredita em mim.
.Lucy55 diz (22:50) com vários prazeres… é bom
estarmos os dois de acordo.
.Fredy zz3Vdiz (22:50) ainda estás nessa onda?
.Lucy55 diz (22:51) sim estou a pensar, pensando bem… não penses k vai haver sexo no nosso primeiro encontro.
.Fredy zz3Vdiz (22:52) já te disse k não estava a pensar nisso.
.Lucy55 diz (22:53) esquece o k escrevi, fui leviana ao falar em sexo, desculpa… não foi grande ideia… devo ter bebido um pouco mais da conta… deixei-te com ideias?
.Fredy zz3Vdiz (22:53) não… há outras formas de obter prazer… bom
e poder estar os dois… nem tudo tem a ver com sexo e afins…
.Lucy55 diz (22:55)vou esperar para ver… de seguida vou enviar o tal mail
.Fredy zz3Vdiz (22:56) não vou dormir hoje a pensar em ti
.Lucy55 diz (22:56) não sejas tonto, daqui por dois dias estaremos um com o outro.
.Fredy zz3Vdiz (22:57) mas vai custar a passar… já pensaste amanhã não falaremos só quarta-feira…já viste.
.Lucy55 diz (22:58) recebe muitos beijos… sonha comigo.
.Fredy zz3Vdiz (22:58) igualmente…
.Lucy55 diz (23:00) dois dias é quanto peço.
.Fredy zz3Vdiz (23:00) quarta-feira 10 horas na praça do Hotel de Ville?
.Lucy55 diz (23:01) sim.
espera lá…é quarta ou quinta?
.Fredy zz3Vdiz (23:02) é na quarta… confere as datas.
.Lucy55 diz (23:02) sim tens razão…não irei esquecer…
.Fredy zz3Vdiz (23:02) eu acho k nos vamos dar bem... temos muto em comum…
.Lucy55 diz (23:03) tb tenho essa sensação.. nós vamos longe
vamos chegar bem alto.
.Fredy zz3Vdiz (23:05) confias em mim? sinto q tens muita vontade... isso irá levar-nos longe,
sabes lucy… encaixamos melhor com umas pessoas… k com outras.
.Lucy55 diz (23:07) eu sei, não sou tonta… xau…
.Fredy zz3Vdiz (23:08) fica bem…beijo para ti, sonha comigo.
.Lucy55 diz (23:08) tonto… vou colocar o despertador mais cedo para falarmos amanhã ainda antes da partida.
.Fredy zz3Vdiz (23:08) isso… boa ideia…
.Lucy55 diz (23:09) desliga… vou desligar
.Fredy zz3Vdiz (23:09) vá desliga tu, sei como tu és… anda…
.Lucy55 diz (23:09) okey… beijo grande.

Alfredo Pimentel leu e releu, não havia duvida… era para além de néscio era um grandessíssimo estupido, não percebeu nada de nada; como pode ser tão ingénuo não desconfiando de nada…, não havia qualquer dúvida, tudo aquilo que tinha vivido nas últimas horas era absolutamente irreal; Clara Ferraz era Lucy sem qualquer duvida. Daí o convite… nada que não tivesse dito antes. Era claro como uma manhã de primavera…, fora com ela andou meses a partilhar confidências, com ela idealizara projetos de vida o tempo todo. Só havia uma forma de o saber, de tirar tudo a limpo de uma vez por todas; iria ter que subir naquela mesma noite ao 412, sabendo que se não o fizesse passaria a noite em claro. Procurou acalmar-se, procurou ver a questão pelo lado da colega, certamente encontrou uma forma de ir entrando na sua vida sem que este tivesse coragem de a fechar antes de poder dizer que gostava dele, que o desejava e certamente diria que há muito aguardaria este dia, o dia em que se passeou com o homem que verdadeiramente amava, de braço dado pelas ruas daquela cidade que é antes de mais um hino ao amor; teria de subir antes que ela adormecesse, antes que ela desistisse dele, persentindo que afinal ele poderia ter olhos para todas menos para ela que lutava há meses cada vez que por ele passava nos corredores da faculdade onde davam aulas, sem que ele olhasse para ela, como gostaria. És um estupido, só vês fórmulas à frente...
Sentia-se confuso, a surpresa havia sido enorme… Porém, aquela frase não enganava, eram da mesma pessoa.
“Não seremos suficientemente adultos para perceber a natureza das coisas”

 
A mesmíssima frase sem tirar nem pôr; guardou as folhas impressas, já não precisaria mais delas, não precisaria de as voltar a ler. Agradecendo a si mesmo o facto de ser um homem organizado, veio para Paris sem ter o número de telefone de Luciana, mas nunca esqueceu de fazer “copy-and-paste” de todas as conversas que manteve com ela pela internet.
Respirou fundo, passou pela casa de banho, lavando o rosto e as mãos suadas. Voltou a sentar-se na cama e decidiu-se por fim, iria ter com ela de novo. Sem demoras pegou no telefone que tinha à cabeceira da cama ligou para a recepção do hotel para fazer um pedido especial; uma garrafa de Champanhe para duas pessoas… para o quarto 412.
- Deseja mais alguma coisa?
- Não… pensando melhor talvez flores, conseguem arranjar flores?
- Posso tentar senhor, vai demorar sempre uns dez minutos!
- Excelente, excelente fico-lhe tremendamente agradecido.
Levantou-se abriu o guarda-roupa preparou-se para se vestir o mais elegante que conseguisse, tinha pouca escolha; encolheu os ombros face às parcas escolhas que tinha. “Demora muito? Quando chegar lá cima a senhora já dorme…” Alfredo Pimentel riu-se do tal sexto sentido que não perdia uma para lhe moer o juízo. Um toque aqui, outro acolá e estava finalmente pronto.
Subiu ao quarto andar desta vez subindo pelo elevador, mantendo-se aparentemente calmo. Chegou à porta encostou o ouvido, na esperança de ouvir algum barulho, sinal que ainda não estaria deitada. Recebeu sinal positivo. Encheu-se de coragem, lembrando a história do medo… Bateu levemente à porta, controlando a ansiedade. Não esperou muito, do interior chegou uma voz abafada perguntando quem é, sem hesitar ele simplesmente respondeu decidido “Sou eu…”. A porta abriu-se completamente, ela esperava-o pronta. Sem palavras os seus corpos uniram-se num beijo; sem palavras, sem justificações sem azo a desculpas, entregando-se um ao outro tal como Clara Ferraz sonhara um dia.


(Dedico à minha querida esposa e à cidade que ambos amámos.)

07 de Novembro 2012

António Gallobar

  

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