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Contador de visitas

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Acordei contigo em Paris


Esta história poderia começar de maneira diversa, poderia começar por se contar que existem no mundo pelo menos duas pessoas apaixonadas, que esperam nesse mesmo dia encontrar-se frente a frente para matar um desejo. Alfredo Pimentel achava-se ali para isso mesmo, para se encontrar com ela naquela distante cidade. Falar em desejo e paixão, estar ali independentemente de outras questões, era já por si recompensa bastante; não havia a menor incerteza, falo duma outra espécie de amor, o amor platónico ao lugar que pisava. A verdade é que aquela cidade exercia sobre ele um enorme fascínio; melhor dizendo, provavelmente sobre todas as pessoas que a cruzam sobretudo se pela primeira vez; o verdadeiro amor é isso mesmo, impactante deixando sulcadas marcas profundas, aliás como em quase tudo. O primeiro olhar tal como o primeiro amor que um dia despontou num acto quase rebelde e em contraciclo, é e será sempre o mais marcante na vida de pobres e comuns mortais, acima de tudo se românticos; essa estranha estirpe de incuráveis que ousam suspirar de e por amor.
Estar ali por todos os motivos intextos, era por isso só plena de significado, tal como para uma maioria das pessoas que conhecia no seu mundo. Semelhante a viver um sonho de olhos abertos, puro fascínio casta ofuscação. Sabia que muito provavelmente esse mesmo deslumbramento advém da sua própria realização pessoal de ali estar, sua e de que cada individuo que se preze, sempre que experimente essa sensação de fazer parte de qualquer coisa que se supera a si mesmo. Paris a eterna Paris tinha esse condão sobre quem a descobre pela primeira vez, e, se encanta a cada pormenor escondido, por vezes puéreis e ingénuos, outros pelo contrário mais prelúcidos, quase a pimpar de tão ricos e elaborados mas sempre sem deixarem de ser extremamente elegantes; era daí que viria por certo o tal fascínio de tão difícil descrição caracterizado por um abrir de olhos constante de puro espanto. Sempre que alguém atravessa a pé uma das suas pontes e deixa o olhar correr pelas águas delongas e pachorrentas do Senna que não quer sair dali andando em círculos, rodeando-a deleitado; tal como o rio que a rodeia, Alfredo Pimentel encontrava-se envolto em rodeios, com um propósito bem definido. Viera de Lisboa para conhecer alguém muito especial. Com encontro marcado numa qualquer praça da cidade, não fazendo a mais pálida ideia de qual seja ou onde quer que seja, ciosamente escrita num papel, assinalada no mapa que transportava consigo onde havia rabiscado a vermelho um círculo, onde teria que estar impreterivelmente às dez da manhã em ponto.

Deixou os seus olhos rolarem distraidamente fazendo tempo, era ainda cedo. Tinha tempo para ir apreciando o caminho que fazia agora a pé, atravessando praças ladeadas por edifícios que sabia carregados de história e de histórias; alguns escondidos na mais humilde ruela quase ao virar da esquina. “Nem num mês descubro todas as maravilhas disto…” disse para si. “Acalma-se lá deixa de gnose… o senhor está cá por outro motivo, não se distraia.” Pareceu-lhe ouvir alguém dentro a sua cabeça, chamando-o à razão.

Era a primeira vez que vinha a Paris; iria ser, pelo menos assim o esperava a primeira de muitas outras coisas que iria fazer, imaginava como seria o primeiro beijo. Sim porque escrever numa mensagem que se manda beijos, não será a mesma coisa quando ocorrer pessoalmente.

Caminhou controlando o desejo que sentia imaginando-a. Era cedo, não poderia deixar de apreciar aquela cidade única no mundo, mesmo sendo outro o seu propósito. Deixou-se por momentos ficar quieto observando apenas sem inadimplir, havia que continuar o caminho, tinha um acordo um contrato a cumprir com alguém, não se deveria atrasar. A cidade não ia sair dali ela sim. Porém eram duas questões que não se podiam dissociar uma da outra. Estar ali naquele instante era algo único, quase pertencente ao domínio dos sonhos; sim tinha imaginado vir a Paris mas nunca que fosse assim tão repentinamente, nunca a imaginou tão bela, apesar do que lhe diziam, sempre achara que as pessoas exageram... Era um sonho adiado tornado realidade, tal como outros que ainda tinha… Haveria de os manter bem guardados… na velha de caixa de cartão feérica que escondera no fundo duma gaveta, escondida de olhares alheios, que, só em dias de nostalgia se consegue abrir; como qualquer ser humano os tem, onde se guardam as mais belas recordações que faz acreditar que é possível… que nos faz acreditar que tudo poderia ter sido diferente se não tivéssemos tido medo. Sim porque todos sabemos que o “medo gosta de nos roubar os sonhos…”, sim isso mesmo assim filosofaram alguns sonhadores que tal como eu acreditam. Tudo seria bem diferente, caso não tivéssemos tido medo naquele dia que só nós sabemos…, se não tivéssemos sido estúpidos e deitar tudo a perder com invenções de última-hora, recuando, fazendo o contrário do que se havia pensado.

Garboso seguia decidido, para que não o acusassem disso mesmo, seguia ao encontro dela derrubando barreiras e preconceitos, avançaria decidido a mudar o mundo se preciso fosse para poder andar ali de mão dada com ela… estava ali sem pensar demasiado; empurrando o mundo para a frente com a barriga.

Independentemente dos verdadeiros motivos que o faziam avançar estar ali era uma sensação inolvidável, apenas vivenciada no campo dos tais sonhos que se encontram bem escondidos e que quase obriga a dizer “Belisquem-me, impossível…” e se esfrega os olhos de puro deslumbramento e deleite, sem querer saber, será real ou apenas imaginação? Sim, era real não estava a sonhar levando consigo sonhos inconfessados, obrigando-se a caminhar aquelas ruas, ignorando o que pedras quereriam comunicar com ele.

Desde o supremo momento em que saiu da estação de metro na Rua de Rivoli, subiu os degraus gastos pelo tempo e os seus pulmões se abriram e literalmente olhando em redor algo único e percebeu que muito provavelmente encontrava-se num local onde podia respirar cultura, a Opera ao fundo o Palácio-Real, depois mais lá para a frente o Louvre… sem dificuldade iria enamorar-se por aquela cidade, tinha a certeza. Ele que viera de tão longe precisamente atrás desse mesmo sentimento; estava ali enamorado pela rapariga ainda que virtual, mas a mais linda do mundo… Como podia estar agora a pensar noutros sentimentos doutra realidade que não fosse correr em busca dela, correr ao seu encontro em vez de se distrair com outras belezas. Alfredo Pimentel estava ali para ter finalmente o tão ansiado encontro. Digam lá os mas sépticos destas coisas se isso não é fantástico? Paris por mais bela que fosse, sem dúvida um portento no mundo da arte, jamais rivalizaria com a beleza da sua Lucy55 e por isso iria ter de esperar. Sentia-se naturalmente impressionado por tudo o que via, sobretudo pela grandiosidade, quiçá o seu lado romântico obrigava-o a olhar com outros olhos para velha urbe; caminhou seguindo o mapa que levava na mão, sem se afastar um milímetro da rota previamente traçada. Iria a pé atravessando o centro, fazendo horas para o encontro.

Mais tarde compreendeu finalmente que existia ali um paradoxo qualquer, na forma como as coisas começavam a querer correr, diferentes das que imaginara. Obrigando-o a deixar de pensar apenas na bela cidade, havia prometido a si mesmo arranjar tempo para a conhecer a cem por cento. Porém, a inesperada reviravolta nos planos fez com que tudo se alterasse num ápice; chegara ali cheio de espectativas, com uma bagagem cheia de esperança que quase vira esfumar-se, qual nevoeiro sobre o rio Senna. Chegou imbuído de sonhos adolescentes, apesar de saber que já tinha mais do que idade para ter juízo. Sentiu que aquele possível encontro o fazia sentir-se no mínimo dez, quinze anos mais novo, como que a despertar de novo para a vida, a expectativa de a encontrar cara-a-cara, deu-lhe um incentivo suplementar para aceitar vir de tão longe para se encontrar com ela. Um desejo tornado realidade, sentir o seu cheiro, poder tocar na sua pele, sem ser o toque frio da tela do laptop. Conhecera-a há algum tempo num chat conhecido on-line; que isto de se ser solteirão a vida toda a isso obrigava, a foto que recebera na caixa de correio do seu e-mail, deslumbrou-o, guardou-a ciosamente consigo como quem guarda um tesouro. Alfredo Pimentel trinta e dois anos, solteiro. As namoradas que teve foram poucas, poderia contá-las pelos dedos de uma mão e ainda sobrariam bastantes dedos. Animado por poder finalmente concretizar esse desejo, partira de Lisboa para se encontrar com a beldade; essa perspetiva fez acordar o seu coração de pedra. Sentia-se de novo um rapaz, o que é isso de se ter trinta e poucos? Encolheu os seus ombros satisfeito consigo e com o que aí viria, acreditando que iria finalmente conhecer a sua Cinderela.

Lucy era na verdade uma visão d’outro mundo como mulher; desde que começaram a trocar mensagens mais assiduamente, sentiu que apesar da enorme distancia que os separava, tinham muito mais em comum do que se poderia supor.

Marcaram as datas e ficaram de encontrar-se junto ao Hotel de Ville, sugestão dela, p’ra ser mais fácil se encontrarem na cidade. Agora ali à espera dela, tremia sentindo-se um menino perdido dada a dimensão da praça. Olhando de vez em quando, para o relógio do majestático edifício que dava um ar nobilíssimo à praça, algo estava a fugir aos planos. Não ousou pensar que a ideia de se encontrarem ali não tivesse sido boa; mas era tudo menos fácil aquelas duas almas encontrarem-se ali; sobretudo porque andavam por ali naquele momento dezenas para não dizer mais de pessoas a admirar o local a tirar fotos; andou como um tolo dum lado para o outro na esperança de a encontrar igualmente de cabeça no ar.
 

Meteu a mão ao bolso, tirou de lá a tal foto conferindo a beleza da moça; era realmente linda não tinha a menor duvida, a foto dez por quinze não lhe mentia. "Ela vem, ela vem" dizia para si, tentando animar-se um pouco.


Conhecer uma mulher como Luciana, fora uma aventura e tanto, sentia-se um homem cheio de sorte, era antes de mais uma aventura que fizera o seu coração pular de novo, sentindo-se revitalizado só com a possibilidade de estar finalmente junto dela, em carne e osso; poder sentir-lhe o cheiro poder tocar na pele daquela bela Luso-francesa, linda de morrer que conhecera através da internet; sentia-se um adolescente completamente louco por ela, há dez dias que esse sentimento cresceu exponencialmente, altura em que a imagem que tinha dela se materializara, precisamente quando recebeu a foto da beldade e por via disso se sentia assim, como nunca sonhara ser possível sentir-se assim por mulher alguma. Alfredo Pimentel na realidade encontrava-se formatado há alguns anos para resistir a certo tipo de encantos, sobretudo aos olhares das miúdas que constantemente se insinuavam diante dos seus olhos castos; protegido por uma couraça dura que lhe dizia todos os dias que não podia apaixonar-se por nenhuma aluna daquela escola, mesmo que fosse de maioridade; e para desgraça dele como dos outros professores, eram regra geral igualmente lindas e ousadas; ousadas até demais usando saias curtas ou collants justos que mostravam mais do que deviam. Essa era uma realidade com a qual todos os dias tinha que conviver, e era agora com o passar dos anos, acumulando experiencia no exercício da sua profissão. Mas hoje, hoje não estava ali encarnando essa figura que o castrava, não estava a exercer a nobre profissão de lecionar; embora sabendo que antes de ser professor era um homem, um homem carente, e, de mais a mais não aceitou encontrar-se com uma jovem nessa qualidade; ali era apenas um entre milhares que chegam todos os dias, um mero visitante na cidade, um turista entre muitos.

 
Oficiosamente encontrava-se ali para todos os efeitos em gozo de férias, partira à aventura e preparava-se para passar uns dias de sonho assim ela chegasse. Porém, algo que começava a ganhar cada vez mais força. O relógio da torre ia avançando impiedosamente, procurou manter-se calmo na esperança que estivesse apenas uma hora atrasada. Uma hora de atraso é muito mas não é demais; talvez o trânsito a tenha impedido de chegar a horas... quem sabe? Será?

 
Será… que terá sido desavisado e incauto, vir de tão longe buscando uma quimera? Deixando-se levar pela beleza da rapariga que acabava de faltar ao primeiro encontro; a ser verdade iria sentir-se mal, não era agradável levar uma tampa, sobretudo daquela envergadura, felizmente não disse a ninguém ao que vinha, que diriam os amigos se soubessem do caso… Algo correu mal, não estava formatado para levar tampas, muito menos vindas de miúdas.

 
Sentia-se tal e qual uma criança a quem haviam tirado o brinquedo novo, duas horas de espera e eram naturalmente demais. Convenceu-se da realidade, ela não viria. Como foi possível isto? Interrogava-se sem obter resposta. Talvez ela estivesse muito muito atrasada, as mulheres gostam de se fazer caras, adoram isso, aprazem testar. Talvez, talvez se tivesse perdido nalguma loja nos Champs-Ellysées… ela mesma o dissera algum tempo atrás, que perdia a noção do tempo, vestindo e despindo nas lojas da grande moda…

Nada do que planeou iria acontecer, não iriam saborear o copo quente de chocolate juntos, tão pouco ficarem a olhar um para o outro numa esplanada junto ao rio. Promessas tudo não passaram de promessas que não iriam acontecer; tinha esse pressentimento, ela apenas se divertira com ele.

Pensou pela última vez nela, talvez ela não fosse tal como se apresentava na foto, talvez fosse feia, gorda sem dentes... quem sabe se outra pessoa diferente da pessoa que estava na foto que mantinha na mão para conferir. E se fosse um homem? Valha-me Deus! Como foi que te deixaste enrolar nesta história? Algo se passou foi o que foi, achas que ela iria brincar comigo a este ponto? Não, não era possível… Tens o telemóvel dela? O número? Sim o número... Não! Como vez é possível sim. Lembra, ela é uma menina à tua beira… andou este tempo todo a brincar contigo meu palerma, olha à tua volta? Que tem? Observa bem quem sabe, encontras o que não esperas ver.
Alfredo Pimentel respirou fundo, tentando sacudir a pressão que sentia em cima de si, fez o que o seu sexto sentido lhe ordenava e foi com grande espanto que descortinou no meio daquela amálgama de gente que por ali cirandava de máquinas fotográficas em punho que descobriu uma cara conhecida, quando a viu ela reconheceu-o imediatamente.

 
- Não acredito é mesmo você? Como é que nos viemos encontrar aqui tão longe?
- Professora Clara Ferraz…
- Estou parva! (disse sorrindo) Olá querido colega, que faz por aqui, anda a passear?
- De férias…
- Engraçado eu também tirei uns dias para descanso mas também para conhecer esta cidade... E então está à espera de alguém?
- Não, melhor já não…
- Óptimo, (Clara Ferraz era um mulher inteligente, viu rápido que não devia ir por ali, mudando de assunto num piscar de olhos) Parece-me que arranjei uma excelente companhia, sabe Alfredo Pimentel é uma chatice andar nesta cidade sozinha… se me aceitar como companhia, quem sabe não será divertido, poder conhecê-la consigo…
- Conhecê-la?
- Sim… à cidade!
- Ah sim, claro amiga Clara Ferraz, onde estava eu com a cabeça.

Maria Clara Ferraz era uma mulher atraente, nada que se comparasse com a rapariga da foto que Alfredo Pimentel levava no bolso do casaco guardada. Lucy a sua Lucy iria continuar virtual; pensou nela, arrastando os olhos triste despedindo-se do Hotel de Ville, da praça onde estivera plantado cerca de três longas horas, dedicou-lhe pela derradeira vez mais dois segundos de atenção, correndo de forma discreta uma vez mais, na sua continua procura, recusando o obvio que lhe dizia de forma insistente: “Como foi possível acontecer isto...” Tentava superar apeado de qualquer ilusão que lhe dizia que ela viria, fazendo um esforço para se abstrair da enorme deceção que acabara de sofrer; deixou-se conduzir pela colega de História d’Arte. Que melhor cicerone poderia almejar um simples professor de matemática vir encontrar em Paris uma expert na matéria.


- E que tal bebêssemos um chocolate quente? Está um frio…
- Por mim a Clara Ferraz está à-vontade, acompanho-a com prazer. (disse em tom de galanteio, ela retribuiu sem contra-argumentar.)


Alfredo Pimentel caminhava agora ao seu lado em silêncio, vendo a colega enfiar-lhe o braço no seu. Alfredo Pimentel gostou daquela aproximação, encontravam-se de vez em quando na sala de professores, um café ou outro, nada mais que isso. Alfredo Pimentel era daqueles que levava tudo de forma rígida, a tal couraça que mantinha afastava não só as miúdas mas todas e quaisquer mulher que se aproximasse dele. Um café ou outro de fugida, um olá colega então o pessoal aproveita bem nas suas aulas? Uma seca… regra geral dizem ser uma seca! Deixe lá que comigo as coisas vão de mal a pior… Matemática… quem é que gosta de matemática hoje em dia colega? Alfredo Pimentel ria-se para não ser indelicado, achava a alusão quase insultuosa, sobretudo aquela que ia agora pendurada no seu braço, gostava de se meter com ele, e desgraçadamente nunca olhou para ela de outra forma que não sendo olhar como professor.


- Não se importa que lhe dê o braço?
- Está a pôr-se frio.
- Onde é que vamos?
- Para onde me levar…
- Ficou mesmo abalado!
- Como assim?
- Acho-o triste venha daí, vou mostrar-lhe uma coisa.

Deixou-se arrastar por Clara Ferraz, não percebeu o brilho que ela levava agora no olhar, conseguira finalmente arrancar o homem que amava do seu castelo, arrastando-o para bem longe. Jamais lhe diria que ela era afinal a Lucy, que a foto que lhe enviara fora tirada duma revista de moda duma modelo Russa conhecidíssima pela qual o pobre professor se apaixonou; como poderia saber. Clara arranjou um nickname para conseguir secretamente interagir com ele. Ainda há poucos dias, divertira-se imenso, ao insinuar que lhe iria proporcionar uma secção de sexo, deixando-o naturalmente louco, fazendo-o voar até ali.

Não fora um caminho fácil, não foi fácil vê-lo andar ali dum lado para o outro de cabeça no ar desesperado, esperando quem nunca viria, arrastou-o para dentro do Louvre tentando que ele esquecesse; saíram de lá já a noite ia alta. Jantaram os dois, ele ia já olhando para Clara Ferraz duma forma diferente, interrogando-se porque carga de agua nunca olhara para ela daquela forma. Uma mulher interessante; as surpresas não iam acabar por ali quando Alfredo Pimentel descobriu que afinal ambos estavam instalados no mesmo hotel.

 
- No adágio? A Clara Ferraz está instalada aqui no Adágio…
- Sim porquê tanto espanto?
- É que… eu também estou aqui. (Riram-se)
- Estou a ver que o Alfredo Pimentel fez a reserva naquela agência de viagens… junto da escola.
- Sim!
- Eu também… coincidências.

 
Ambos acharam divertido. Alfredo Pimentel procurou no bolso já dentro do elevador, a chave eletrónica.
- Estou no… 301. Exibindo-a
- Oh que pena, fiquei um pouco mais acima, estou na 412, pena não terem feito a reserva um ao lado do outro.
- Seria interessante, quando saíssemos de manhã e darmos de cara um com o outro.
- Era o máximo. Bom parece-me que chegamos ao terceiro andar, não quer subir?
- Obrigada pela companhia, acabamos por ter uma tarde fantástica… (meteu uma perna de fora para travar o elevador para acabar de se despedir de Clara)
- Não é nada cavalheiro… não sabes que a regra e levar as Senhoras a casa…
- Ok, eu subo e depois desço.
- Pois claro assim é que deve ser.

 
Levou-a até à porta do quarto, preparando-se para se despedir daquele interessante mulher, visivelmente satisfeito pela companhia. Clara Ferraz não insistiu mais e deu-lhe um beijo na face, dizendo-lhe:
- Obrigada pela companhia, adorei passar o dia consigo.
- Eu é que agradeço…
- Amanhã voltamos ao Louvre?
- Amanhã voltamos ao Louvre, temos muito que ver…
- Bom… então até amanhã!
- Até amanhã… (meu amor disse para si baixinha enquanto ia abrindo a porta)
- Não quer mesmo entrar?
- Entrar?
- Sim entrar… depois desta tarde…, a não ser…
- A não ser?
- A não ser que não me ache atraente…
- Como poderia dizer uma coisa dessas?
- Ainda bem… fico mais descansada, nem sei como é que nunca até ao dia de hoje nunca tínhamos tomado um copo juntos…
- Nunca calhou… mas amanhã será outro dia.
- É isso meu querido… vá para baixo e durma bem, se tiver insónias já sabe onde moro.
- Clara Ferraz não brinque com o fogo… (avisou)
- Porquê não seremos suficientemente adultos para perceber a natureza das coisas? Dos desejos…


Alfredo Pimentel não respondeu, estava confuso, aquela frase… já a lera vezes sem conta. Pensando bem tinha-a escrita no interior da sua mala, onde guardara várias folhas A4 que imprimira antes de sair de Lisboa. Trouxe consigo os diálogos que mantivera com Lucy. Este inusitado à-vontade de Clara Ferraz pareceu-lhe surpreendentemente familiar. Despediu-se dela à pressa, recusando envolver-se com ela no primeiro dia, fazendo-se de burro face ao convite implícito que acabara de receber. Desceu pelas escadas, não havia tempo para esperar por elevadores para descer apenas um piso. Quase correu disposto a reler precisamente o da conversação mantida com Lucy poucos dias antes da partida.


Procurou os papeis, sentando-se na beira da cama relendo todos esses diálogos que mantiveram, leu e releu, tal como sopora um deles deixou-lhe um nó na garganta, dizia o seguinte:

 
.Fredy zz3Vdiz (22:27) estou a olhar para a tua foto… sabes?
.Lucy55 diz (22:28) espera para veres J
vai ser fixe, haveremos de ter momentos bons... mal posso esperar.
.Fredy zz3Vdiz (22:29) ainda nem acredito… K nos vamos encontrar.
.Lucy55 diz (22:29) Paris cidade do amor nos aguarde.
.Fredy zz3Vdiz (22:31) e se não apareces e nunca... e nunca mais nos voltámos a falar
.Lucy55 diz (22:31) tens de ter fé meu… amigo.
.Fredy zz3Vdiz (22:31) amigo? Não sou mais K’isso… de qualquer modo esta nossa “ligação” mesmo virtual é bem fixe… dá-me imenso prazer poder conversar contigo, mesmo à distancia.
.Lucy55 diz (22:31) sim... sei o que pensas quando falas em prazer…
.Fredy zz3Vdiz (22:31) não é nada disso, k insinuas... sabes já me sinto à-vontade contigo, nada mais.
.Lucy55 diz (22:31) sim sim eu sei como vocês são… querem todos ter uma gata… para poderem curtir.
.Fredy zz3Vdiz (22:32) não me interpretes mal fico triste…L, o meu sentimento por ti é sério… não o escondo… morro por estar junto de ti… sim…
é verdade é isso mesmo… mais interessante de tudo é poder finalmente ficar a conhecer-te um bocadinho mais…descobrir a verdadeira Fracesinha k és… descobrir o timbre da tua voz… escutar as verdadeiras palavras…de quem está por detrás deste dialogo em Português…
.Lucy55 diz (22:33) tenho um tradutor on-line k me ajuda nisso , sabias…
.Fredy zz3Vdiz (22:33) entendi, entendiii… caso para dizer weeeeeee ahaaaaaa… JJJ muita emoção junta… estou mesmo a ver, quando estivermos juntos não nos vamos entender, falas uma língua e eu falo noutra… vamos precisar de mais tempo para nos habituarmos um ao outro…
.Lucy55 diz (22:33) não falas Francês? Não acredito…nem uma palavra, ao menos… mercy, bonjour...
.Fredy zz3Vdiz (22:33) falo Inglês fluentemente
-Fredy zz3Vdiz (22:35) vamos viver o nosso encontro com muita emoção…tou mesmo a ver, vai ser do tipo montanha russa…
vai ser fantástico, o melhor é arranjarmos um tradutor para nos ajudar.
.Lucy55 diz (22:36) acho k não vai ser preciso, a linguagem do amor é universal… sinto k ambos estamos na mesma onda... existem vários sentimentos que se cruzam.
.Fredy zz3Vdiz (22:36) amor, escreveste amor…excelente…
parece k puxamos os dois para o mesmo lado…
existem tipos de prazer k sentimos… k superam tudo... e se já foi tão bom até aqui o futuro k se
avizinha só pode ser melhor…só pode mesmo dar muito prazer ter-te à minha frente… cara-a-cara…
.Lucy55 diz (22:37) J,
.Fredy zz3Vdiz (22:39) não dizes mais nada…
.Lucy55 diz (22:42) tou a pensar no k não devo dizer
.Fredy zz3Vdiz (22:42) estás a falar de sentimentos?
.Lucy55 diz (22:44) sim… não escondo isso…
amizade.... gostar de estar contigo... de te apertar para ver se és real... sexo...
é natural… Porquê eses espanto… não seremos suficientemente adultos para perceber a natureza das coisas… dessas vontades?
.Fredy zz3Vdiz (22:45) não estava a pensar nisso, já me contento em te poder beijar um dia…
e se houver empatia então…no futuro…poderemos usufruir disso…usufruirmos um do outro de forma total e abrangente.
.Lucy55 diz (22:46) sim era mais isso k queria dizer… progredir, fazer crescer a amizade e quem sabe o amor... e fazer amor contigo.
.Fredy zz3Vdiz (22:47) sou à antiga, deixas-me sem jeito.
.Lucy55 diz (22:48) vou mandar-te o plano da viagem… confere tudo ao pormenor…e…nem penses em faltar ao nosso encontro...
Mal posso esperar por estar contigo… é parte da emoção k sinto, acho k vai ser bom estar juntos
.Fredy zz3Vdiz (22:49) muita vontade... e sinto essa vontade bastante equilibrada
o k só pode ser bom, vão ser quatro dias inesquecíveis, acredita em mim.
.Lucy55 diz (22:50) com vários prazeres… é bom
estarmos os dois de acordo.
.Fredy zz3Vdiz (22:50) ainda estás nessa onda?
.Lucy55 diz (22:51) sim estou a pensar, pensando bem… não penses k vai haver sexo no nosso primeiro encontro.
.Fredy zz3Vdiz (22:52) já te disse k não estava a pensar nisso.
.Lucy55 diz (22:53) esquece o k escrevi, fui leviana ao falar em sexo, desculpa… não foi grande ideia… devo ter bebido um pouco mais da conta… deixei-te com ideias?
.Fredy zz3Vdiz (22:53) não… há outras formas de obter prazer… bom
e poder estar os dois… nem tudo tem a ver com sexo e afins…
.Lucy55 diz (22:55)vou esperar para ver… de seguida vou enviar o tal mail
.Fredy zz3Vdiz (22:56) não vou dormir hoje a pensar em ti
.Lucy55 diz (22:56) não sejas tonto, daqui por dois dias estaremos um com o outro.
.Fredy zz3Vdiz (22:57) mas vai custar a passar… já pensaste amanhã não falaremos só quarta-feira…já viste.
.Lucy55 diz (22:58) recebe muitos beijos… sonha comigo.
.Fredy zz3Vdiz (22:58) igualmente…
.Lucy55 diz (23:00) dois dias é quanto peço.
.Fredy zz3Vdiz (23:00) quarta-feira 10 horas na praça do Hotel de Ville?
.Lucy55 diz (23:01) sim.
espera lá…é quarta ou quinta?
.Fredy zz3Vdiz (23:02) é na quarta… confere as datas.
.Lucy55 diz (23:02) sim tens razão…não irei esquecer…
.Fredy zz3Vdiz (23:02) eu acho k nos vamos dar bem... temos muto em comum…
.Lucy55 diz (23:03) tb tenho essa sensação.. nós vamos longe
vamos chegar bem alto.
.Fredy zz3Vdiz (23:05) confias em mim? sinto q tens muita vontade... isso irá levar-nos longe,
sabes lucy… encaixamos melhor com umas pessoas… k com outras.
.Lucy55 diz (23:07) eu sei, não sou tonta… xau…
.Fredy zz3Vdiz (23:08) fica bem…beijo para ti, sonha comigo.
.Lucy55 diz (23:08) tonto… vou colocar o despertador mais cedo para falarmos amanhã ainda antes da partida.
.Fredy zz3Vdiz (23:08) isso… boa ideia…
.Lucy55 diz (23:09) desliga… vou desligar
.Fredy zz3Vdiz (23:09) vá desliga tu, sei como tu és… anda…
.Lucy55 diz (23:09) okey… beijo grande.



Alfredo Pimentel leu e releu, não havia duvida… era para além de néscio era um grandessíssimo estupido, não percebeu nada de nada; como pode ser tão ingénuo não desconfiando de nada…, não havia qualquer dúvida, tudo aquilo que tinha vivido nas últimas horas era absolutamente irreal; Clara Ferraz era Lucy sem qualquer duvida. Daí o convite… nada que não tivesse dito antes. Era claro como uma manhã de primavera…, fora com ela andou meses a partilhar confidências, com ela idealizara projetos de vida o tempo todo. Só havia uma forma de o saber, de tirar tudo a limpo de uma vez por todas; iria ter que subir naquela mesma noite ao 412, sabendo que se não o fizesse passaria a noite em claro. Procurou acalmar-se, procurou ver a questão pelo lado da colega, certamente encontrou uma forma de ir entrando na sua vida sem que este tivesse coragem de a fechar antes de poder dizer que gostava dele, que o desejava e certamente diria que há muito aguardaria este dia, o dia em que se passeou com o homem que verdadeiramente amava, de braço dado pelas ruas daquela cidade que é antes de mais um hino ao amor; teria de subir antes que ela adormecesse, antes que ela desistisse dele, pressentindo que afinal ele poderia ter olhos para todas menos para ela que lutava há meses cada vez que por ele passava nos corredores da faculdade onde davam aulas, sem que ele olhasse para ela, como gostaria. És um estúpido, só vês fórmulas à frente...
Sentia-se confuso, a surpresa havia sido enorme… Porém, aquela frase não enganava, eram da mesma pessoa.
“Não seremos suficientemente adultos para perceber a natureza das coisas”

 
A mesmíssima frase sem tirar nem pôr; guardou as folhas impressas, já não precisaria mais delas, não precisaria de as voltar a ler. Agradecendo a si mesmo o facto de ser um homem organizado, veio para Paris sem ter o número de telefone de Luciana, mas nunca esqueceu de fazer “copy-and-paste” de todas as conversas que manteve com ela pela internet.
Respirou fundo, passou pela casa de banho, lavando o rosto e as mãos suadas. Voltou a sentar-se na cama e decidiu-se por fim, iria ter com ela de novo. Sem demoras pegou no telefone que tinha à cabeceira da cama ligou para a recepção do hotel para fazer um pedido especial; uma garrafa de Champanhe para duas pessoas… para o quarto 412.
- Deseja mais alguma coisa?
- Não… pensando melhor talvez flores, conseguem arranjar flores?
- Posso tentar senhor, vai demorar sempre uns dez minutos!
- Excelente, excelente fico-lhe tremendamente agradecido.
Levantou-se abriu o guarda-roupa preparou-se para se vestir o mais elegante que conseguisse, tinha pouca escolha; encolheu os ombros face às parcas escolhas que tinha. “Demora muito? Quando chegar lá cima a senhora já dorme…” Alfredo Pimentel riu-se do tal sexto sentido que não perdia uma para lhe moer o juízo. Um toque aqui, outro acolá e estava finalmente pronto.
Subiu ao quarto andar desta vez subindo pelo elevador, mantendo-se aparentemente calmo. Chegou à porta encostou o ouvido, na esperança de ouvir algum barulho, sinal que ainda não estaria deitada. Recebeu sinal positivo. Encheu-se de coragem, lembrando a história do medo… Bateu levemente à porta, controlando a ansiedade. Não esperou muito, do interior chegou uma voz abafada perguntando quem é, sem hesitar ele simplesmente respondeu decidido “Sou eu…”. A porta abriu-se completamente, ela esperava-o pronta. Sem palavras os seus corpos uniram-se num beijo; sem palavras, sem justificações sem azo a desculpas, entregando-se um ao outro tal como Clara Ferraz sonhara um dia.

 

Excerto do livro

"O coleccionador de segredos"




10 comentários:

Wonder disse...

Linda confesso a tempo nao venho aqui mao por opiçaõ mas sim por causa do tempo excasso mas confesso ja estas em meus favoritos por que amo seu espaço e cada letrinha e frase postada por vc... na qual na sua mais doce e meiga figura de mulher descreve e transcreve com o coração aquilo que que me deixa e nos deixa sempre com um gostinho de quero mais...Eu quero!!!Por que suas palavras sao como favor de meu no seu mais puro nectar gotejando parte de vc em meus pensamentos... Os quais move e comovem toda uma geração levando-me cada vez mais perto de ti, facilitando minha comprensao naquilo que diz e naquilo que escreves com o coração.
Na sua fragelidade de mulher.....bela postagem a qual retrata com perfeiçao a faorça e sabedoria da mulher...convido-o a fazer parte do meu blog....http//www.uanderesuascronicas.blogspot.com

António Gallobar - Ensaios Poéticos disse...

Olá

Grato pela visita e pelas palavras, breve irei fazer-lhe com mais tempo uma visita ao seu blog.

Daniel Costa disse...

António Gallobar

Li uma interessante crónica, actualizadíssima. Um tipo de leitura muito do meu agrado.
Fiquei tentado a pedir para passar a leR o meu TOP SECRET OLAVO.
Um abraço

António Gallobar - Ensaios Poéticos disse...

Olá amigo Daniel, passarei por lá com muito gosto, grato pelas suas palavras, votos de bom Domingo

maria teresa disse...

Há muito que não passava por aqui!Não me lembrava que tinha 3 blogues.
Este seu texto reflete uma realidade muito atualizada, estamos na era dos encontros virtuais e estes enganam muito:):):) Nem tudo o que parece é, nem tudo o que é parece.
O que vale é que estamos (falo por mim) numa idade em que é divertido não se ter juízo, posso sempre justificar que estou a ficar senil:):):)
Abracinho meu!

Arnoldo Pimentel disse...

Encontros e desencontros. Um belo e bem escrito texto.Parabéns.

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido amigo

Um texto muito real, na época em que estamos esses encontros são uma verdade mesmo.Gostei muito.

Um beijinho
Sonhadora

António Gallobar - Ensaios Poéticos disse...

Obrigado amigo Arnoldo Pimentel, é um prazer recebê-lo por cá...
Abraço

António Gallobar - Ensaios Poéticos disse...

Obrigada amiga

É isso, há muita gente que se deixa levar por sonhos, às vezes irrealizaveis, mas que é isso de se viver sem sonhos... os sonhos são quem conduzem a vida, sem sonhos... é como estar morto.

Beijinho

António Gallobar - Ensaios Poéticos disse...

Obrigada pela visita, breve irei fazer-lhe uma visita.

Beijos